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Homenagem Professor EGAS DIRCEU MONIZ DE ARAGÃO
No dia 2 de junho passado, num domingo chuvoso em Curitiba, faleceu o Prof. Egas Dirceu Moniz de Aragão. Ícone do processo civil brasileiro e um dos expoentes da escola paranaense de direito processual civil, o Prof. Egas Moniz de Aragão foi responsável pela construção de rigorosa, cuidadosa e sólida doutrina, que serviu de base para o Código de Processo Civil de 1973 e que tem inspirado diversos estudos no campo do direito processual.Nasceu em Promissão-SP, em 14 de setembro de 1929, tendo obtido o grau de bacharel em Direito pela Universidade Federal do Paraná em 1952. Advogado renomado, foi professor nesta mesma universidade, onde obteve o grau de docência-livre em 1957 com a tese “A Correição Parcial”. Posteriormente, em 1959, escreveu a tese que o levou à cátedra de direito judiciário civil da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná, com o título “Estudo sobre os embargos de nulidade e infringentes do julgado previstos no Código de Processo Civil”. Na introdução deste excepcional trabalho, marcado pela profundidade e pela originalidade, escreveu: “Sobre este tema, o recurso de embargos de nulidade e infringentes do julgado, gira o estudo a que nos obrigamos, não obstante cerceadíssimos pelo inarredável fator tempo. Em verdade, o trabalho foi escrito a toque de caixa; com sentinela à vista. Mal saíramos dos exames à docência livre, cujo expediente ainda nem sequer fora aprovado pelo Conselho Universitário, e já a Faculdade de Direito deliberava colocar em concurso as cátedras de Direito Judiciário Civil. Determinadas circunstâncias nos situaram em posição tal que não poderíamos desertar; impunha-se que enfrentássemos o desafio. O resultado cá está: uma tese escrita no prazo do edital e o edital vive, para a ciência, o que a rosa viveu para o poeta, ‘l’espace d’un matin’. O breve tempo decorrido entre a resolução do Conselho Técnico Administrativo e a publicação do chamamento no jornal oficial, consumiu-o o tipógrafo”.
Esse era o Prof. Egas! Transparente, preciso, determinado e direto. Não tinha receio de dizer o que era necessário, por mais que aquilo doesse a certos ouvidos. Na tese acima indicada, salienta o erro de supor que a elevação no número de recursos seja apta a solucionar o problema do erro judiciário. Como lembra o mestre, “a sentença é sempre contrária a um deles [refere-se o autor a uma das partes] e a este se afigura, como não poderia deixar de ser, injusta e merecedora de reparos”. Porém, ainda nas palavras de Moniz de Aragão, “ao passo que através do recurso é possível corrigir-se o equívoco da sentença em si, não menos exato é afirmar que por seu intermédio não se obtém a extinção da principal causa, de que o recurso é efeito: as deficiências porventura existentes na própria pessoa do juiz. E, estabelecida essa premissa, conclui: “Ora, se o problema é de juízes mais capazes, seja pelo acúmulo de experiência, seja pela cultura sedimentada durante longos anos de prática forense, o remédio, evidentemente, não está no simples aumento ou diminuição da quantidade de recursos, mas em, paralelamente, melhorar o tirocínio dos magistrados. É ao conhecimento profissional, à cultura jurídica, às condições pessoais dos juízes que o Estado deve endereçar o seu cuidado e não simplistamente, ao número de recursos de que a parte possa usar para defender-se de um mal cuja continuidade, através da falta de precauções, é assegurada. Desde que não é possível, dadas as condições em que se encontra o interior brasileiro, convocar para a magistratura apenas jurisconsultos de escol, é de todo interesse que sejam voltadas as atenções dos juristas para o material humano com que é possível contar, proporcionando a essa matéria prima a necessária lapidação através de cursos de formação e de aperfeiçoamento, ou apenas deste na impossibilidade de estabelecer, também, aquele, como tentativa de dar ao problema uma solução condizente com a sua inegável transcendência”.
Desta forma, elegante e com inequívoco rigor científico, Egas Moniz de Aragão antevê, com mais de cinquenta anos de antecipação, problemas até hoje vivenciados. Suas palavras parecem ter sido escritas há poucas semanas, mas enfrentam, com coragem ímpar, dificuldades que até mesmo a nova lei processual teve dificuldade em encarar.
Homem generoso e elegante, jamais lhe faltou a palavra exata para, sem ofender a quem quer que seja, dizer o necessário para a evolução da ciência processual ou da prática forense.
O Prof. Moniz de Aragão também exerceu a direção da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná no crítico período de 1968 a 1972. Nessa época foi publicada a segunda edição de sua obra “A Correição Parcial”. Porém, como alertava o autor na abertura de seu livro, “como nada resta do original senão o título, não é esta, propriamente, uma segunda edição”.
Posteriormente, vieram suas obras mais conhecidas. Os três tomos da Exegese do Código de Processo Civil – dentre os quais, um deles transformado posteriormente no magnífico Sentença e Coisa Julgada –, publicados em 1992, e o volume II da coleção de Comentários ao Código de Processo Civil da editora Forense, cuja primeira edição data de 1974. Os primeiros comentários correspondem à análise (ao código de 1973) da parte do Julgamento Conforme o Estado do Processo, até o final da disciplina da Prova (art. 329 e ss.), seguido do volume de comentários ao regime da sentença e da coisa julgada. Embora essa coleção, da editora Aide, não seja tão famosa quanto sua concorrente, não há dúvida de que os volumes escritos pelo Prof. Egas são, mesmo diante do código em vigor, referência de técnica e de aprofundado estudo. Ali se encontram análises primorosas de aspectos essenciais do direito probatório, ainda sem rival na doutrina nacional. Também a obra Sentença e Coisa Julgada (terceiro volume escrito pelo autor e, depois, transformado em livro autônomo) permanece como marco fundamental para o estudo desses institutos, não havendo livro sério que não se valha das lições de Moniz de Aragão no árduo tratamento desses temas.
Quanto ao volume II dos Comentários da Forense, é, desde quando surgiu sua primeira edição, capolavoro da vida acadêmica de Egas Moniz de Aragão. Ali está, dentre tantos outros temas, a exposição, ainda hoje influente, sobre os fundamentos da teoria das nulidades no processo, bem como magistral exposição dos conceitos elementares da ação e de suas condições, na análise feita das causas de extinção do processo.
Sua obra é vasta, tendo publicado artigos e textos a respeito dos mais diversos temas do processo – e até mesmo fora dele. Examinou de honorários advocatícios ao processo do novo milênio; da formação do magistrado às estatísticas judiciárias. Enfim, não houve assunto processual que não tenha sido profunda e amplamente perscrutado pelo Prof. Egas. Despediu-se da academia com interessantíssimo estudo a respeito do Tribunal de Águas de Valência, publicado na Revista Brasileira de Direito Comparado, em 2010, e em coletânea que homenageava o Prof. José Manoel de Arruda Alvim Neto.
Na advocacia, destacou-se sempre como ilustre patrono, dos mais renomados do país. Foi conselheiro seccional da Ordem dos Advogados do Brasil, no Paraná, e membro do Instituto dos Advogados do Paraná desde 1956. Inúmeras vezes laureado, recebeu dentre outras condecorações a medalha Teixeira de Freitas, do Instituto dos Advogados Brasileiros; o título de Cidadão Honorário do Paraná em 1982; o de Sócio Benemérito do Instituto dos Advogados do Paraná em 2000; o prêmio José Rodrigues Vieira Netto em 2003; o título de Cidadão Honorário de Jandaia do Sul em 2003; a Comenda do Mérito Eleitoral das Araucárias, do Tribunal Regional Eleitoral do Paraná, em 2009; e a Comenda do Mérito Judiciário, do Tribunal de Justiça do Paraná, em 2011. Há muitos anos, seu nome também designa o Salão Nobre da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná. Foi ainda juiz do Tribunal Regional Eleitoral do Paraná.
Valendo-nos das palavras do mestre, proferidas no encerramento do Congresso Brasileiro de Direito Processual Civil realizado em Curitiba em novembro de 1991, em que ele homenageava a memória de Alfredo Buzaid, pedimos licença para trocar o homenageado e dizer:
“Antes de cumprir a tarefa que me foi incumbida desejo prestar referente homenagem a Egas Dirceu Moniz de Aragão, amigo e mestre, que dedicou ao Direito Processual Civil o vigor de sua inteligência. Ao mesmo tempo que, pesaroso, cultuo sua memória perante o inexorável, elogio e aplaudo sua obra, que elevou sobremodo a cultura jurídica brasileira”[1].
Esse era o Prof. Egas! Transparente, preciso, determinado e direto. Não tinha receio de dizer o que era necessário, por mais que aquilo doesse a certos ouvidos. Na tese acima indicada, salienta o erro de supor que a elevação no número de recursos seja apta a solucionar o problema do erro judiciário. Como lembra o mestre, “a sentença é sempre contrária a um deles [refere-se o autor a uma das partes] e a este se afigura, como não poderia deixar de ser, injusta e merecedora de reparos”. Porém, ainda nas palavras de Moniz de Aragão, “ao passo que através do recurso é possível corrigir-se o equívoco da sentença em si, não menos exato é afirmar que por seu intermédio não se obtém a extinção da principal causa, de que o recurso é efeito: as deficiências porventura existentes na própria pessoa do juiz. E, estabelecida essa premissa, conclui: “Ora, se o problema é de juízes mais capazes, seja pelo acúmulo de experiência, seja pela cultura sedimentada durante longos anos de prática forense, o remédio, evidentemente, não está no simples aumento ou diminuição da quantidade de recursos, mas em, paralelamente, melhorar o tirocínio dos magistrados. É ao conhecimento profissional, à cultura jurídica, às condições pessoais dos juízes que o Estado deve endereçar o seu cuidado e não simplistamente, ao número de recursos de que a parte possa usar para defender-se de um mal cuja continuidade, através da falta de precauções, é assegurada. Desde que não é possível, dadas as condições em que se encontra o interior brasileiro, convocar para a magistratura apenas jurisconsultos de escol, é de todo interesse que sejam voltadas as atenções dos juristas para o material humano com que é possível contar, proporcionando a essa matéria prima a necessária lapidação através de cursos de formação e de aperfeiçoamento, ou apenas deste na impossibilidade de estabelecer, também, aquele, como tentativa de dar ao problema uma solução condizente com a sua inegável transcendência”.
Desta forma, elegante e com inequívoco rigor científico, Egas Moniz de Aragão antevê, com mais de cinquenta anos de antecipação, problemas até hoje vivenciados. Suas palavras parecem ter sido escritas há poucas semanas, mas enfrentam, com coragem ímpar, dificuldades que até mesmo a nova lei processual teve dificuldade em encarar.
Homem generoso e elegante, jamais lhe faltou a palavra exata para, sem ofender a quem quer que seja, dizer o necessário para a evolução da ciência processual ou da prática forense.
O Prof. Moniz de Aragão também exerceu a direção da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná no crítico período de 1968 a 1972. Nessa época foi publicada a segunda edição de sua obra “A Correição Parcial”. Porém, como alertava o autor na abertura de seu livro, “como nada resta do original senão o título, não é esta, propriamente, uma segunda edição”.
Posteriormente, vieram suas obras mais conhecidas. Os três tomos da Exegese do Código de Processo Civil – dentre os quais, um deles transformado posteriormente no magnífico Sentença e Coisa Julgada –, publicados em 1992, e o volume II da coleção de Comentários ao Código de Processo Civil da editora Forense, cuja primeira edição data de 1974. Os primeiros comentários correspondem à análise (ao código de 1973) da parte do Julgamento Conforme o Estado do Processo, até o final da disciplina da Prova (art. 329 e ss.), seguido do volume de comentários ao regime da sentença e da coisa julgada. Embora essa coleção, da editora Aide, não seja tão famosa quanto sua concorrente, não há dúvida de que os volumes escritos pelo Prof. Egas são, mesmo diante do código em vigor, referência de técnica e de aprofundado estudo. Ali se encontram análises primorosas de aspectos essenciais do direito probatório, ainda sem rival na doutrina nacional. Também a obra Sentença e Coisa Julgada (terceiro volume escrito pelo autor e, depois, transformado em livro autônomo) permanece como marco fundamental para o estudo desses institutos, não havendo livro sério que não se valha das lições de Moniz de Aragão no árduo tratamento desses temas.
Quanto ao volume II dos Comentários da Forense, é, desde quando surgiu sua primeira edição, capolavoro da vida acadêmica de Egas Moniz de Aragão. Ali está, dentre tantos outros temas, a exposição, ainda hoje influente, sobre os fundamentos da teoria das nulidades no processo, bem como magistral exposição dos conceitos elementares da ação e de suas condições, na análise feita das causas de extinção do processo.
Sua obra é vasta, tendo publicado artigos e textos a respeito dos mais diversos temas do processo – e até mesmo fora dele. Examinou de honorários advocatícios ao processo do novo milênio; da formação do magistrado às estatísticas judiciárias. Enfim, não houve assunto processual que não tenha sido profunda e amplamente perscrutado pelo Prof. Egas. Despediu-se da academia com interessantíssimo estudo a respeito do Tribunal de Águas de Valência, publicado na Revista Brasileira de Direito Comparado, em 2010, e em coletânea que homenageava o Prof. José Manoel de Arruda Alvim Neto.
Na advocacia, destacou-se sempre como ilustre patrono, dos mais renomados do país. Foi conselheiro seccional da Ordem dos Advogados do Brasil, no Paraná, e membro do Instituto dos Advogados do Paraná desde 1956. Inúmeras vezes laureado, recebeu dentre outras condecorações a medalha Teixeira de Freitas, do Instituto dos Advogados Brasileiros; o título de Cidadão Honorário do Paraná em 1982; o de Sócio Benemérito do Instituto dos Advogados do Paraná em 2000; o prêmio José Rodrigues Vieira Netto em 2003; o título de Cidadão Honorário de Jandaia do Sul em 2003; a Comenda do Mérito Eleitoral das Araucárias, do Tribunal Regional Eleitoral do Paraná, em 2009; e a Comenda do Mérito Judiciário, do Tribunal de Justiça do Paraná, em 2011. Há muitos anos, seu nome também designa o Salão Nobre da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná. Foi ainda juiz do Tribunal Regional Eleitoral do Paraná.
Valendo-nos das palavras do mestre, proferidas no encerramento do Congresso Brasileiro de Direito Processual Civil realizado em Curitiba em novembro de 1991, em que ele homenageava a memória de Alfredo Buzaid, pedimos licença para trocar o homenageado e dizer:
“Antes de cumprir a tarefa que me foi incumbida desejo prestar referente homenagem a Egas Dirceu Moniz de Aragão, amigo e mestre, que dedicou ao Direito Processual Civil o vigor de sua inteligência. Ao mesmo tempo que, pesaroso, cultuo sua memória perante o inexorável, elogio e aplaudo sua obra, que elevou sobremodo a cultura jurídica brasileira”[1].
Luiz Guilherme Marinoni Sérgio Cruz Arenhart
Professor Titular da UFPR. Professor Associado da UFPR.
Advogado Procurador Regional da República
[1] Nota introdutória ao texto “O código de processo civil e a crise processual”, escrita pelo prof. Egas Moniz de Aragão e publicada na Revista Forense, n. 316. O texto original está assim redigido: “Antes de cumprir a tarefa que me foi incumbida desejo prestar referente homenagem a ALFREDO BUZAID, amigo e mestre, que dedicou ao Direito Processual Civil o vigor de sua inteligência. Ao mesmo tempo que, pesaroso, cultuo sua memória perante o inexorável, elogio e aplaudo sua obra, que elevou sobremodo a cultura jurídica brasileira