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Alguns reflexos do CPC/15 no processo do trabalho: considerações sobre a instrução normativa 39/2016 do TST
Autores: Jorge Amaury Maia Nunes e Guilherme Pupe da NóbregaPublicado no site em: 21 de julho de 2016 A edição de um novo Código de Processo Civil adicionou novo ingrediente em debate antigo acerca da aplicação dos institutos contidos naquele diploma civil ao processo do trabalho.
Mercê das especificidades que cercam o direito material do trabalho, parcela considerável da doutrina sempre se mostrou refratária a muitos dos institutos presentes no CPC.1 Sem embargo, a história recente mostra que, gradativamente, o processo do trabalho se abriu para relevantes institutos processuais civis, como bem ilustram o cancelamento da Orientação Jurisprudencial 227 da SBDI-1, para que passasse a ser admitida a denunciação da lide no processo do trabalho, e a edição da lei 13.015/15, que instituiu o regime dos recursos de revista repetitivos, nos moldes do CPC.
No que toca ao CPC/15, a recíproca foi verdadeira e a influência do processo do trabalho se fez notar, em alguma medida, com a audiência de conciliação ou de mediação no limiar do processo2 e com a irrecorribilidade imediata das decisões interlocutórias.
Na busca por elucidar zona nebulosa quanto à aplicação do diploma processual civil ao processo do trabalho, o CPC/15 trouxe, em seu artigo 15, a previsão de que “na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente.”
Já houve, de pronto, o nascimento de nova discussão: como conciliar a inclusão da expressão inédita “supletivamente”, presente no artigo 15 do CPC/15, com os artigos 769 e 8893 da CLT?
Num primeiro momento, houve quem, na doutrina processual trabalhista, sustentasse a revogação.4 A maioria dos autores, porém, inclinou-se pela compatibilidade entre os dispositivos5, reverberando essa última posição no entendimento sufragado pelo TST na IN 39/16, como se verá adiante.6
Pois bem, adotada a premissa de que os artigos 15, do CPC/15, e 769 e 889, da CLT, haverão de conviver harmonicamente, releva, então, mais bem elucidar o que seria subsidiariedade e o que seria supletividade. Nessa senda, a aplicação subsidiária do CPC/15 terá lugar sempre que a CLT for absolutamente silente, omissa; a supletividade, de sua vez, almeja a complementação, pelo CPC, de institutos e matérias que, embora regrados pela CLT, o foram de maneira incompleta. Vale repisar, nada obstante, que tanto a aplicação subsidiária ou supletiva do CPC estarão subordinadas, ademais, à ausência de incompatibilidade com o sistema processual trabalhista, seja em razão do que dispõe o artigo 889 da CLT, seja em razão do que impõe o artigo 1.046, § 2º, CPC7.
Cabem alguns exemplos para que tudo fique mais claro.
Seriam matérias omitidas completamente pela CLT, a atrair a aplicação subsidiária do CPC/15, a tutela provisória, as modalidades de intervenção de terceiros, a vedação às decisões-surpresa como consectário do contraditório substancial, o julgamento antecipado parcial do mérito etc.; seriam, lado outro, hipóteses de aplicação supletiva as questões relativas aos ônus da prova8, ao depoimento pessoal da parte9, impedimento e incapacidade da testemunha10, matérias suscetíveis de serem veiculadas em embargos à execução11, etc. Como é possível notar, nos referidos exemplos há omissão total ou parcial, ao mesmo tempo em que preservada a compatibilidade com o sistema processual trabalhista.
Há situações, todavia, mais complexas, em que não se mostra tão simples a identificação da existência de lacuna ou de incompatibilidade, como é o caso da controvérsia sobre a (in)aplicabilidade da multa de 10% no cumprimento de sentença que condena em obrigação de pagar quantia certa — embora o artigo 880 da CLT seja omisso, a jurisprudência do TST entende que o silêncio legislativo teria sido intencional.12
Foi precisamente em razão da perplexidade surgida em razão de questões mais sofisticadas que o TST, visando a atenuar a insegurança jurídica e a tornar mais claro o âmbito de aplicação — subsidiária e supletiva — do CPC ao processo do trabalho, editou a já mencionada IN 39/16, a merecer uma breve análise neste escrito.13
De pronto, merece anotação o fato de que a IN 39/16, logo em seus consideranda, já alerta que o referido ato, longe de pretender exaurir a matéria, buscou “identificar apenas questões polêmicas e algumas das questões inovatórias relevantes para efeito de aferir a compatibilidade ou não de aplicação subsidiária ou supletiva ao Processo do Trabalho do Código de Processo Civil de 2015.”
Ainda em seus consideranda, a IN 39/16, como adiantado, tomou partido no debate acerca da revogação, ou não, pelo artigo 15 do CPC/15, dos artigos 769 e 889 da CLT, concluindo em sentido negativo: “considerando que as normas dos arts. 769 e 889 da CLT não foram revogadas pelo art. 15 do CPC de 2015, em face do que estatui o art. 2º, § 2º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.”
Com relação à (in)aplicabilidade da multa de 10% a que alude o artigo 523, § 1º, do CPC/15, a IN 39/16 optou, deliberadamente, por não firmar posição, justificando que a questão estaria sub judice no âmbito do TST.
A despeito da prudência com que se houve a disposição, de nossa parte, não compreendemos por que a referida multa não mereça ser estendida ao processo do trabalho. A própria IN n.º 39/2016, em seu artigo 17, admite a aplicação das normas insertas nos artigos 495, 517 e 782, §§ 3º a 5º, ao processo do trabalho. Ora, aqueles dispositivos cuidam da hipoteca judiciária, da possibilidade de protesto da decisão judicial e da inclusão do nome do executado em cadastro restritivo de crédito, todos importantes mecanismos de coerção que visam a tornar mais provável e efetiva a satisfação de crédito exequendo. Sendo a sanção pecuniária, igualmente, instrumento congênere de estímulo ao adimplemento, não vislumbramos o que a distingue a ponto de rechaçá-la como técnica executiva. Ao processo do trabalho, que normalmente lida com credores hipossuficientes, cujo crédito possui natureza alimentar, conviriam, em tese, todos os meios coercitivos possíveis.
Avançando em nosso exame, o artigo 2º, II, da IN 39/16, veda o negócio processual (artigo 190 do CPC/15) no processo do trabalho. Sabido que a hipossuficiência presumida do trabalhador recomendaria a proibição, mas quiçá não fosse o caso de banimento do instituto, sendo absolutamente crível imaginar sua viabilidade pro operario em convenções coletivas de trabalho, por exemplo.
Noutro giro, para que não restasse dúvida, o inciso III do artigo 2º afastou o cômputo apenas dos dias úteis na contagem de prazos processuais (artigo 219 do CPC/15). Embora o artigo 775 da CLT já evidenciasse a inexistência de omissão a ser preenchida, a prudência recomendou a previsão expressa.
Merecem elogios os artigos 3º, VII e IX, e 10 da IN 39/16, que tratam, respectivamente, (i) da distribuição dinâmica do ônus da prova (artigo 373, § 1º, do CPC/15), (ii) da fundamentação exauriente das decisões (artigo 489 do CPC/15) e (iii) da possibilidade de correção de vícios formais em sede recursal, feita a ressalva pelo parágrafo único do artigo 10 da IN 39/16 no sentido de que a possibilidade de complementação do preparo não alcança o depósito recursal.14
O artigo 4º da IN 39/16 também admitiu a aplicabilidade das normas reguladoras do contraditório ao processo do trabalho, em especial os artigos 9º e 10 do CPC/15. O lamento fica por conta do § 2º daquele dispositivo, que dispôs que:
Não se considera “decisão surpresa” a que, à luz do ordenamento jurídico nacional e dos princípios que informam o Direito Processual do Trabalho, as partes tinham obrigação de prever, concernente às condições da ação, aos pressupostos de admissibilidade de recurso e aos pressupostos processuais, salvo disposição legal expressa em contrário.
Cuidou-se de verdadeiro paradoxo: o dispositivo admite a aplicação do artigo 10, mas esvazia a sua parte final que aduz que o dever de consulta prévia alcança mesmo “matéria sobre a qual deva decidir de ofício”. O precedente que se abre é perigoso, no sentido de autorizar que, mesmo diante de lacuna e de compatibilidade, o TST promova recorte em institutos para escolher que parte(s) deles merece(m) ser aplicada(s), como numa espécie de veto parcial.
Caminhando para nossa conclusão, o artigo 5º prevê o julgamento antecipado parcial do mérito no processo do trabalho, dispondo que da decisão caberá, de imediato, recurso ordinário.
É sabido que não há, no processo do trabalho, recorribilidade de decisões interlocutórias. A dificuldade que surge, todavia, está no fato de que, a não ser que se passe a admitir um recurso ordinário por instrumento, a interposição do apelo contra a decisão de julgamento antecipado parcial do mérito se dará nos próprios atos, determinando a remessa do processo ao tribunal e suspendendo a tramitação do processo e a solução da parcela do objeto litigioso que não haja sido decidida.
Por fim, o artigo 6º da IN 39/16 cuida do incidente de desconsideração da personalidade jurídica no processo do trabalho, incorporando as normas presentes nos artigos 133 a 137 do CPC/15. Há a observação importante de que, diferentemente do processo civil, o processo do trabalho admitirá a instauração do incidente de ofício pelo juízo, ressalva que se justifica em razão do artigo 878 da CLT, que autoriza, mesmo, que a execução seja inaugurada pelo magistrado, atenuado o princípio da disponibilidade da execução.
São esses alguns apontamentos sobre a aplicabilidade do CPC/15 ao processo do trabalho, tema ao qual seguramente voltaremos em razão da insegurança que ainda enseja.
Fonte: Migalhas « Voltar