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A advocacia pro bono e o novo Código de Ética e Disciplina

Autor: Marcos Roberto Fuchs
Publicado no site em: 26 de julho de 2016 O primeiro direito é o direito a ter direitos. Nesse sentido, a CF brasileira de 1988, no seu art. 5º, inciso XXXV, prevê assistência jurídica gratuita via Poder Público para todos aqueles que não podem arcar com os custos de um processo. Em outras palavras, é obrigação do Estado assegurar aos cidadãos que comprovem insuficiência de recursos o seu direito a ter um advogado ou um defensor público de forma gratuita. Infelizmente, essa garantia constitucional não é efetiva e tampouco assegurada. Se a desigualdade social é latente em todo o nosso país, com o acesso à Justiça não poderia ser diferente – assim, é importante refletirmos sobre os dados a seguir.

E ensina a professora Flávia Piovesan (2013, p. 40): “A América Latina ostenta o maior grau de desigualdade do mundo. Cinco dos dez países mais desiguais do mundo estão na América Latina, dentre eles o Brasil. Não bastasse o acentuado grau de desigualdade, a região ainda se destaca por ser a mais violenta do mundo. Concentra 27% dos homicídios, tendo apenas 9% da população mundial. Dez dos vinte países com maiores taxas de homicídio do mundo são latino-americanos (Marta Lagos e Lucía Dammert, La Seguridad Ciudadana: El problema principal de América Latina, Latinobarómetro, 9 de maio de 2012, p. 3)".

Piovesan também aponta que é no marco desta região que o Brasil ainda se distingue por ser a sexta maior economia mundial, com a 84ª posição no índice de desenvolvimento humano (IDH), que mensura a efetiva qualidade de vida da população, tendo por critério a expectativa de vida, a escolaridade, a renda per capita e a desigualdade de renda. Sob esta perspectiva, não está em foco a riqueza da economia do país, mas o modo pelo qual sua população exerce os direitos mais básicos. No caso brasileiro, a acentuada desigualdade social é o maior fator a justificar a frustrante posição do país no IDH – bem distante dos vizinhos Chile (44ª), Argentina (45ª) e Uruguai (48ª).

Neste cenário extremamente excludente, continua Piovesan, há que se ampliar e democratizar o acesso ao Poder Judiciário.1 Emergencial é avançar na concretização do acesso à Justiça, pressuposto para a realização de demais direitos e instrumento de distribuição de justiça e de efetiva proteção de direitos.

Considerando a fixação de parâmetros protetivos mínimos afetos à dignidade humana, com destaque à Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948, ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e à Convenção Americana de Direitos Humanos, o acesso à Justiça contempla três dimensões:

- O direito ao livre acesso à Justiça (direito à proteção judicial);

- A garantia da independência judicial (direito de toda pessoa ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial); e

- O direito à prestação jurisdicional efetiva, na hipótese de violação a direitos (direito a remédios efetivos).

Estas três dimensões devem ser conjugadas, mantendo uma relação de interdependência, condicionalidade e indissociabilidade. No Estado Democrático de Direito há o monopólio da função jurisdicional pelo Poder Judiciário, que, enquanto poder desarmado, tem a última palavra. Isto é, o direito à prestação jurisdicional efetiva requer a garantia da independência judicial, celebrando a prevalência do primado do Direito, em detrimento do direito da força.

Sob a ótica emancipatória dos direitos humanos (considerando a perspectiva da vítima da violação – victim centric approach), fundamental é assegurar o direito à proteção judicial.

Por fim, Piovesan (2013, p. 40) frisa:
"o acesso à Justiça é um direito humano em si mesmo, mas é também um direito de empoderamento, impactando o modo pelo qual os demais direitos são protegidos, como os direitos à vida, à liberdade, à igualdade, à saúde, à educação, ao trabalho, à seguridade social, ao meio ambiente, dentre outros".

E quem são as pessoas que têm o direito ao acesso à Justiça garantido pela Constituição, conforme a primeira constatação dessa reflexão? Quem são aqueles que terão a “chance” de ter um defensor público ou um advogado dativo custeado pelo Estado? Quem são as pessoas carentes para fim de atendimento gratuito?

A resposta é simples, porém excludente e temerária para fins de acesso à Justiça. Somente núcleos familiares que comprovarem renda mensal de até três salários mínimos estarão aptos e serão elegíveis para ter esse direito ao acesso à Justiça e ao Poder Judiciário. Infelizmente, núcleos familiares que ultrapassem a percepção de três salários mínimos estão automaticamente fora do benefício ofertado pelo Estado. É a exclusão a que nos referíamos.

Tomemos o Estado de São Paulo como exemplo, o mais populoso do país, com 41,2 milhões de habitantes. Nesse Estado, 60% dos domicílios têm renda per capita de até R$ 914,00. Estima-se que 29,5 milhões de pessoas poderiam ser potenciais usuários dos serviços de defensores públicos e de advogados dativos.

Diante dessa realidade e desse quadro nada animador, poderíamos também dispor de advogados privados para, de forma socialmente responsável, auxiliarem no atendimento dessa demanda latente.

Conforme brilhante reflexão do sócio-fundador do Instituto Pro Bono, o constitucionalista Oscar Vilhena Vieira, no artigo publicado na Folha de S.Paulo em 13 de junho de 2015:
"O fato é que as Defensorias Públicas, que realizam um trabalho hercúleo, não têm a dimensão necessária para atender a enorme demanda. Segundo dados do Ipea, apresentados em 2013, são menos de 6.000 defensores públicos em todo o território nacional, para atender um potencial contingente de 40 milhões de pessoas que ainda vivem em pobreza, sendo que, destes, 16 milhões encontram-se em situação de pobreza extrema. Em 72% das localidades que possuem juízes, os mais vulneráveis não têm assegurado o seu direito de acesso à Justiça por falta de um defensor público".


A advocacia pro bono é uma ferramenta importante para ampliar o acesso à Justiça.


A advocacia pro bono, exercida por advogados, é sem dúvida uma ferramenta importante e necessária para ampliar o acesso à Justiça. Pro bono público (ou apenas pro bono) é uma expressão latina que significa “para o bem do povo”. O trabalho pro bono caracteriza-se como uma atividade gratuita, voluntária e principalmente solidária. Na área jurídica, o termo pro bono refere-se aos serviços jurídicos prestados gratuitamente para aqueles que são incapazes de arcar com os custos da contratação de um advogado.

Mais uma vez recorro a Oscar Vilhena, que em excelente artigo publicado na revista do Instituto Pro Bono, em dezembro de 2012, faz um histórico desta boa prática no Brasil:

“Luis Gama, nascido em 1830, filho de um fidalgo português e de uma escrava liberta, deu início à oferta de serviços desse caráter no Brasil. Vendido ilegalmente como escravo pelo próprio pai e alfabetizado por um amigo em uma fazenda era, também, advogado instruído. Foi ouvinte do curso de direito da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP), passando a advogar para diversos escravos em causas abolicionistas. Luis Gama anunciava seus serviços em jornais, oferecia-se sem qualquer custo para defender causas de libertação dos escravos, e conseguiu libertar mais de 500 escravos, há quem fale em 1000. Ali nascia a oferta de advocacia solidária, voluntária, pro bono. Luis Gama morreu em 1882, mas não estava sozinho: outros juristas renomados, como Ruy Barbosa, lutaram e trabalharam pela causa.

Ruy Barbosa, um dos mais respeitados juristas e um dos intelectuais mais brilhantes do Brasil, que acompanhou a redação do Código Civil de 1916, praticou a advocacia pro bono em causas abolicionistas desde 1888. Um de seus mais conhecidos atos foi a queima de arquivos do governo, quando em 1889, após a abolição da escravatura, o Estado foi obrigado a indenizar os donos de escravos em diversas ações ajuizadas. Tal ordem teve por objetivo impedir que os donos dos escravos libertos não tivessem provas para instruir os processos, mas foi também muito criticado, uma vez que destruiu registros históricos importantíssimos da escravidão no Brasil.

Ruy Barbosa é símbolo da luta contra restrição de liberdades civis e direitos fundamentais e em um de seus casos mais emblemáticos, atuou pro bono quando marinheiros se revoltaram contra a Marinha Brasileira, em razão de castigos físicos a eles impostos em evento conhecido como a Revolta das Chibatas. O Ministro da Marinha, então, manteve diversos marinheiros presos, e Ruy Barbosa fez um habeas corpus oral ao então presidente Marechal Hermes da Fonseca, para a liberdade imediata dos marinheiros, obtendo êxito.

Foram diversos os juristas envolvidos em causas sociais e que ofereciam seus serviços jurídicos de forma gratuita a fim de ver – e fazer – garantido o direito de acesso à justiça. A ideia da função social da advocacia imperava. Prova disso é que o primeiro Estatuto da OAB, logo após sua criação, em 1930, expressava no artigo primeiro o dever do advogado em defender os mais pobres. Diferentemente de hoje, àquela época, o entendimento da Ordem dos Advogados do Brasil era de que caberia aos advogados particulares prover a assistência jurídica, afinal o advogado é elemento indispensável para o acesso à justiça.

O direito de acesso à justiça tornou-se, então, constitucional, quando foi incluído na Carta Constitucional de 1934, que dispôs expressamente que o Estado deveria fornecer assistência jurídica a todos.

Em 1936, atuando de forma pro bono, o advogado Sobral Pinto, um dos mais célebres advogados brasileiros e defensor dos direitos humanos, defendeu os líderes comunistas Luiz Carlos Prestes e Harry Berger (neste caso, curiosamente usou a Lei de Proteção dos Animais para evitar a tortura), a fim de livrá-los das condições desumanas que passavam na prisão.

Nos anos 50, foram criadas algumas estruturas de assistência jurídica nos estados do Brasil, em razão de uma lei federal que determinava ao Estado prover assistência jurídica gratuita àquelas que não poderiam provê-las sem o prejuízo de seu próprio sustento. Foi quando em São Paulo uma estrutura foi criada, em 1954, em parceria com a Procuradoria do Estado. Santa Catarina foi o único estado do Brasil que ficou sem a criação de uma estrutura voltada para a assistência judiciária. Concomitantemente, o MST e os Sindicatos também criaram seus próprios núcleos jurídicos.

Durante o regime militar que governou o Brasil entre 1964 e 1985, pôde-se vislumbrar uma experiência de mobilização de interesse público. Após a decretação do Ato Institucional nº 5 (AI5) em 1968 advogados passaram a defender gratuitamente os presos políticos.

Em 1973, foi fundada a Comissão de Justiça e Paz de São Paulo sob os auspícios de Dom Paulo Evaristo Arns, arcebispo de São Paulo, sendo composta por jovens advogados de matiz católica progressista, como José Carlos Dias, José Gregori, Dalmo Dallari e Fábio Konder Comparato. José Carlos Dias se notabilizou neste período pela defesa de centenas de presos políticos no âmbito da Justiça Militar.

O acesso à justiça foi posteriormente consolidado na nossa atual Constituição Federal de 1988, no artigo 5º, LXXIV, o qual prevê que o Estado proverá assistência jurídica integral e gratuita àqueles que comprovarem insuficiência de recursos, no artigo 5º, XXXV, segundo o qual a lei não excluirá da apreciação do judiciário lesão ou ameaça a direito, isto é, não podem ser criados obstáculos para o acesso à justiça. E, também, na determinação da criação das Defensorias Públicas por cada ente Federativo e o advogado considerado essencial para a administração da justiça (art. 133).

Após a determinação Constitucional, apesar da demora e do número insuficiente de servidores, foram criadas as Defensorias Públicas em todos os Estados do país. São Paulo levou dezesseis anos para estabelecê-la, o que finalmente aconteceu em 2005. E Santa Catarina foi o último a cumprir com a sua obrigação de estabelecer uma Defensoria Pública.

Lembrando que de acordo com a legislação brasileira, uma pessoa é considerada pobre para que tenha direito a serviços de assistência jurídica gratuita se a família aferir por mês uma renda inferior a três salários mínimos”.

Essa evolução histórica da advocacia pro bono demonstra que, no Brasil, sempre existiu a cultura da advocacia solidária. A idealização e fundação do Instituto Pro Bono, em agosto de 2001, por um grupo de 35 advogados, apenas reforçou, consolidou e organizou essa atividade.

O objetivo fundamental do Instituto Pro Bono é estimular a prática da advocacia solidária e de interesse público, fomentando a responsabilidade social no Direito, no intuito de contribuir para a implementação do acesso integral à Justiça. A democratização do acesso à Justiça, com o fortalecimento da advocacia pro bono, é medida essencial à consolidação do Estado de Direito, da democracia e dos direitos humanos no país.

O objetivo do Instituto Pro Bono é estimular a prática da advocacia solidária e de interesse público.

Ademais, o Instituto Pro Bono entende que a participação efetiva de advogados e demais profissionais do Direito em questões sociais aumenta a consciência cidadã e oferece ao advogado uma possibilidade de exercer a função social de sua profissão, auxiliando a tornar a sociedade brasileira mais justa e equilibrada, como bem determinava o art. 2º, caput, do antigo Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB):

"Art. 2º - O advogado, indispensável à administração da Justiça, é defensor do estado democrático de direito, da cidadania, da moralidade pública, da Justiça e da paz social, subordinando a atividade do seu Ministério Privado à elevada função pública que exerce".

Com a criação do Instituto Pro Bono e a demonstração da intenção de diversos advogados de institucionalizar a prática pro bono na advocacia, a seccional paulista da OAB, após consultar diversos advogados, órgãos de classe e o próprio Instituto Pro Bono, editou, em 19 de agosto de 2002, a primeira regulamentação acerca da prática da advocacia pro bono no país. A chamada “Resolução Pro Bono” definiu a advocacia pro bono como sendo

“de assessoria e consultoria jurídicas e excepcionalmente a atividade jurisdicional prestada a pessoas jurídicas sem fins lucrativos integrantes do terceiro setor, reconhecidas e comprovadamente desprovidas de recursos financeiros, para custear as despesas procedimentais, judiciais ou extrajudiciais”.

Infelizmente, as pessoas físicas estavam excluídas daquele texto. Caberia aos advogados dativos e à Procuradoria de Assistência Judiciária atender aqueles demandantes.

Entendemos que houve uma percepção equivocada sobre a questão da advocacia pro bono por parte de alguns membros do tribunal de ética e disciplina da seccional de São Paulo naquele ano de 2002. O que se questionava era a possibilidade de captação de clientela e concorrência desleal através desta modalidade, ou seja, pela advocacia pro bono. O Instituto Pro Bono em hipótese alguma permitiria que qualquer advogado se valesse destes artifícios para captar clientes. O Código de Ética e Disciplina seria a ferramenta adequada para punir quem utilizasse de forma equivocada o pro bono.

Porém, jamais poderíamos pensar em punição para aqueles que atendessem uma pessoa necessitada. Inúmeras manifestações de apoio foram recebidas pelo Instituto, demonstrando que a nossa causa caminhava no corredor da cidadania e por um acesso à Justiça mais amplo e digno.

O então presidente do Conselho do Instituto Pro Bono, jurista e ex-ministro da Justiça, Miguel Reale Jr., se manifestou:

“Não é uma questão ética. O advogado que tem consciência do seu dever de atender alguém necessitado vai ser punido por falta de ética? Isso é um absurdo!”.

A mencionada resolução permitiu que o Instituto Pro Bono consolidasse seu papel de fomentador da responsabilidade social no Direito e gerou um acentuado aumento do número de voluntários dispostos a prestar a advocacia pro bono, bem como de entidades do terceiro setor à procura de serviços jurídicos oferecidos pelo Instituto Pro Bono. Hoje, contamos com mais de 1.200 advogados voluntários cadastrados, 50 escritórios e 3 departamentos jurídicos corporativos, beneficiando assim mais de 1.200 entidades carentes do terceiro setor.

Esse sucesso se deve ao apoio incondicional de inúmeros advogados e escritórios de advocacia: Mattos Filho, Pinheiro Neto, Tozzini, Machado Meyer, Demarest, Koury Lopes, Siqueira Castro, Campos Mello e Tauil & Chequer.

A consolidação do nosso esforço e dedicação pelo tema de uma advocacia pro bono, inclusive para pessoas físicas e em todo o território nacional, experimentou no ano de 2013 um avanço dos mais significativos. Algumas passagens merecem um breve relato.

Em fevereiro daquele ano, o Ministério Público Federal, por meio da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão, organizou a primeira audiência pública em São Paulo, com o objetivo de ouvir a população sobre a restrição de advogados prestarem assistência jurídica e judiciária gratuita (pro bono) para pessoas físicas. Essa iniciativa deve-se ao trabalho incansável dos procuradores da República Jefferson Aparecido Dias e Pedro Antônio de Oliveira Machado.

O evento, que contou com a presença extraordinária da sociedade civil e de estudantes de Direito, foi contemplado com intervenções do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, da professora Flávia Piovesan, do secretário da Reforma do Judiciário, Flávio Caetano, e de manifestações de advogados que sempre lutaram por essa advocacia solidária e gratuita, dentre eles: José Carlos Dias, Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, Carlos Miguel Aidar, Miguel Reale Jr., Alberto Zacharias Toron, Belisário dos Santos Jr., Rubens Naves e Oscar Vilhena Vieira.

Finalmente, em 17 de junho daquele ano de 2013, o Conselho Federal da OAB, em decisão do presidente Marcos Vinicius Furtado, decidiu, por meio de liminar, suspender as regras que limitavam a atividade pro bono em todo o Brasil.

Nessa ordem cronológica, jamais poderia deixar de mencionar o convite feito pelo presidente da seccional de São Paulo, Marcos da Costa, em julho de 2013, para que conversássemos sobre uma agenda positiva em relação a esse tema. O conselheiro seccional de São Paulo, Jorge Eluf, foi durante esses quase 15 anos um grande aliado nessa luta pela democratização da advocacia pro bono.

Coube ainda, por iniciativa do presidente do Conselho Federal, criar uma comissão que iria apresentar um estudo e um provimento que teria em sua essência uma norma resolutiva que contemplasse essa advocacia em todo o território nacional, abarcando pessoas físicas também. O relator escolhido para realizar essa sugestão de texto foi o ex-presidente da seccional de São Paulo e conselheiro federal, Luis Flávio Borges D'Urso.

Nossa inquietação mais uma vez nos levou a percorrer, durante dois anos, diversas seccionais da OAB e, numa campanha de Estado a Estado, fui pessoalmente conversar com representantes das seccionais do Piauí, Pernambuco, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Rio de Janeiro. De forma incansável, participei de inúmeras reuniões do Conselho Federal em Brasília – este contato com os conselheiros foi fundamental para ampliar o diálogo e a conscientização da necessidade de editar uma norma que definitivamente regulasse a questão da advocacia pro bono em todo o território nacional.

O ano de 2015 começou com um debate fundamental para que o sonho da construção de um Estado de Direito mais justo e democrático se tornasse realidade: a inserção de uma norma que regulasse a prática no novo Código de Ética e Disciplina que estava tramitando no Conselho Federal da OAB.

Dentre os inúmeros artigos a serem discutidos e debatidos, o Conselho Federal da OAB se reuniu em um domingo, dia 14 de junho de 2015, em caráter extraordinário, para deliberar sobre o novo Código de Ética e Disciplina da advocacia. Um dos temas de interesse da sociedade referia-se à advocacia pro bono; aquela realizada de forma gratuita para pessoas e organizações que não podem custear os honorários de um advogado.

Assim, coube ao Instituto Pro Bono, por mim representado, e acompanhado da presidente do Conselho Deliberativo, Flávia Regina de Sousa, ir a Brasília e participar daquela discussão. Importante agradecer a todos os conselheiros federais que, de forma extremamente positiva, nos receberam e permitiram nossa manifestação naquela tribuna. O conselheiro federal Marcio Kayatt, ex-presidente da AASP e coordenador desta revista, colaborou efetivamente para a nossa presença naquele debate e ao longo de várias sessões.

Assim, após inúmeros artigos votados, coube ao relator do novo Código de Ética e Disciplina, decano daquele Conselho, o professor Paulo Medina, levar para votação e discussão o art. 30. Numa atitude de respeito ao Instituto Pro Bono e a nossa causa, fomos convidados à tribuna para acompanhar aquela votação histórica.

Assim, e com o apoio incondicional dos conselheiros de todas as seccionais, do relator e do presidente Marcus Vinicius Furtado, a advocacia pro bono foi contemplada em um capítulo específico, que abaixo transcrevo:

“CAPÍTULO V - DA ADVOCACIA PRO BONO

Art. 30 - No exercício da advocacia pro bono, e ao atuar como defensor nomeado, conveniado ou dativo, o advogado empregará o zelo e a dedicação habituais, de forma que a parte por ele assistida se sinta amparada e confie no seu patrocínio.

§ 1º - Considera-se advocacia pro bono a prestação gratuita, eventual e voluntária de serviços jurídicos em favor de instituições sociais sem fins econômicos e aos seus assistidos, sempre que os beneficiários não dispuserem de recursos para a contratação de profissional.

§ 2º - A advocacia pro bono pode ser exercida em favor de pessoas naturais que, igualmente, não dispuserem de recursos para, sem prejuízo do próprio sustento, contratar advogado.

§ 3º - A advocacia pro bono não pode ser utilizada para fins político-partidários ou eleitorais, nem beneficiar instituições que visem a tais objetivos, ou como instrumento de publicidade para captação de clientela”.

Naquela mesma sessão também foi determinado que um novo provimento,2 sob relatoria do conselheiro D’Urso, servisse de apoio para fundamentar e dirimir questões desta advocacia.

Uma grande vitória e um enorme avanço foi conquistado – sem dúvida a de maior expressão desde a nossa fundação. Temos agora alguns desafios que merecem uma enorme reflexão e colaboração de todos vocês:

- Investigar o papel da advocacia pro bono no sistema de justiça em sua relação com os demais atores deste contexto (Defensorias, Dativos, Poder Judiciário e Ministério Público);

- Questionar em que consiste a advocacia pro bono e como esta deverá ser caracterizada. Avaliar a primeira parte do § 1º, em especial os termos “gratuita, eventual e voluntária”;

- Refletir sobre critérios de quem serão os beneficiários da advocacia pro bono. Quais seus limites e quem serão as pessoas aptas para o atendimento realizado por advogados;

- Como investigar e coibir possíveis desvios na prática de pro bono e como evitá-los, em especial a sua utilização como instrumento de publicidade para captação de clientela.Como todo novo diploma legal, ajustes e aperfeiçoamentos serão necessários. O Instituto Pro Bono se coloca desde já à disposição para debater essas questões. Por ocasião dos nossos 15 anos de fundação, organizaremos no mês de setembro deste ano um encontro latino-americano em São Paulo, para ampliarmos esse debate.

Infelizmente, “existem pobres para todos neste país”, já falou certa vez o ministro Celso de Mello, do STF. O grande desafio que temos pela frente é organizar uma atividade pro bono dentro de um padrão ético que consiga de alguma forma trazer uma expectativa de dignidade para inúmeros cidadãos que amargam nas longas filas do atendimento público que padece de infraestrutura e de um reconhecimento devido por parte dos governos.

Finalmente, concluo afirmando, a partir da promulgação deste Código, que aconteceu em 4 de novembro, que qualquer advogada e advogado deste país poderá repetir aquilo que Luis Gama e Rui Barbosa nos ensinaram em grande estilo: advogar de forma gratuita para todos aqueles necessitados. Com certeza estamos construindo uma nação mais humana, justa e democrática. O papel dos advogados é fundamental neste momento.
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