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O Direito nos números
Autor: Edison Carlos FernandesPublicado no site em: 14 de julho de 2016
Foi-se o tempo em que o candidato à faculdade de Direito justificava sua escolha pela antipatia aos números, como forma de nunca mais estudá-los. Vivemos em um mundo em que o Direito está bastante dinâmico e interdisciplinar. Dentre essas disciplinadas relacionadas está, em posição de destaque, a contabilidade, especialmente nos ramos do Direito relacionados às empresas e à economia.
A análise dos aspectos jurídicos da empresa tem por objeto, em última instância, o seu patrimônio. As normas jurídicas pertinentes às relações societárias, às relações comerciais, às relações trabalhistas, às relações tributárias e, até, às relações da empresa com o Poder Público (Direito Administrativo) alicerçam-se na composição, na mutação e na atribuição do patrimônio da pessoa jurídica. Por isto a contabilidade é tão importante a esses ramos do Direito: porque o patrimônio da empresa é formado, descrito, provado e demonstrado pela escrituração contábil.
A proximidade do Direito Tributário com a contabilidade sempre foi a mais percebida, mesmo pelos ainda estudantes de Direito. Acontece que a partir da mudança do marco regulatório contábil brasileiro, que introduziu os padrões internacionais de contabilidade no Direito Comercial Pátrio (International Financial Reporting Standards – IFRS), o conhecimento contábil expandiu suas fronteiras dentro do Direito. Os primeiros profissionais jurídicos a perceberem isso foram aqueles que atuam com o Direito Societário, mas logo vieram os que exercem seu ofício na área do Direito contratual e assim se seguiu para outros campos do estudo e da prática do Direito.
A reaproximação do Direito com a contabilidade, que, inclusive, já foram uma única matéria de estudo e pesquisa, não exige que os advogados e os demais profissionais do Direito graduem-se também em ciência contábeis. Nos dias de hoje, podem ser identificadas diferenças de enfoque, de objeto e, até, de método entre essas duas “ciências”, jurídica e contábil. Dos estudiosos e dos práticos do Direito requer-se, na verdade, que examinem as normas contábeis e as demonstrações financeiras à luz do raciocínio jurídico, daí haver o ressurgimento no Brasil do chamado Direito Contábil.
O estudo do Direito Contábil no Brasil – de maneira diferente do que ocorre na Europa – ainda é bastante incipiente, mas começa a ganhar adeptos e, por consequência, o volume de produção acadêmica tem aumentado. Muito provavelmente, o caminho desse ramo do Direito, quando alcançada sua “autonomia científica”, será o mesmo dos demais campos de estudo jurídico, com a formação de especialistas, mas com a necessidade de um conhecimento mínimo por parte dos estudiosos e profissionais de outras áreas. Como suporte para esses profissionais não especializados no Direito Contábil, a relação das duas disciplinas é apresentada como “contabilidade aplicada ao direito”, o que ocorre, por exemplo, nos cursos da área empresarial (Direito Societário, Direito dos Contratos, Direito Tributário, Direito da Infraestrutura) da FGV Direito SP.
Trata-se, portanto, de uma contabilidade instrumental ao Direito de Empresa. O estudo nesse nível não tem a pretensão de graduar em contabilidade, nem tampouco formar especialistas em Direito Contábil. O foco da abordagem aplicada ou instrumental da contabilidade ao Direito é colocar em destaque os pontos de contato e de interferências recíprocas dessas duas “ciências”.
Vejam-se alguns exemplos: na área do Direito Societário, a escrituração contábil concretiza o princípio da autonomia patrimonial, no sentido que visa demonstrar a composição do patrimônio da pessoa jurídica, que se distingue do patrimônio dos seus sócios; na área do Direito dos contratos, a avaliação do patrimônio da pessoa jurídica, apresentado nas demonstrações contábeis, permite a avaliação de riscos do negócio a ser celebrado, fundamentando a exigência de garantias; na área do Direito Tributário, pode-se dizer que, hoje, é impossível (é isso mesmo!) solucionar questões relacionadas aos tributos sobre o lucro (IRPJ/CSLL) e sobre a receita (Pis/Cofins) sem conhecimento contábil, dadas as expressas referências que a lei tributária faz das normas contábeis. Mesmo outros ramos do Direito que se relacionam à empresa apenas tangencialmente demandam conhecimento contábil, como são os casos de divórcio e partilha de herança. Quando o bem jurídico protegido estiver nos números, o recurso à contabilidade será quase sempre essencial.
Conclui-se retornando ao início do texto: o advogado e outros operadores do Direito, nos tempos atuais, não podem fugir dos números, mas, ao contrário, devem buscar um relacionamento saudável com eles. É bem verdade que sempre será possível valer-se de um contabilista para auxiliar na análise das implicações contábeis de questões jurídicas, porém, por melhor que seja este último profissional, ele não suprirá por completo as “angústias” jurídicas, em razão da diferença que ainda existe entre Direito e contabilidade. Além disso, a falta do conhecimento contábil a ser aplicado ao Direito de empresa pode tornar o advogado, ou outro profissional das “ciências jurídicas”, dispensável.
Fonte: Migalhas « Voltar