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Doutrinas > Processo Civil - Advocacia Pública

Ética profissional e advocacia pro bono: o papel do advogado na conquista da cidadania

Autor: Humberto Henrique Costa Fernandes do Rêgo e Victor dos Santos Maia Matos
Publicado no site em: 25 de junho de 2016 

  Sumário
1. Introdução
2. A ética profissional
3. O novo Código de Ética e Disciplina
4. A advocacia pro bono
5. Conclusão
Bibliografia

1. Introdução

A advocacia, como cediço, é uma das mais antigas profissões da História, recebendo regulamentação no Brasil desde o Império, através da Lei Imperial de 11 de agosto de 1827, que instituiu os cursos jurídicos de São Paulo e Olinda e, posteriormente, com o Aviso Imperial de 7 de agosto de 1843, que criou o Instituto dos Advogados Brasileiro. No período republicano foi concebida a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), por via do Decreto 19.408, de 18 de novembro de 1930, consolidando, em definitivo, a profissão em território nacional.

Coube à Lei 4.215, de 27 de abril de 1963, instituir o primeiro Estatuto da OAB, substituída, três décadas depois, pela Lei 8.906, de 4 de julho de 1994, que cuidou de compatibilizar a advocacia com a Constituição Federal (CF) de 1988, mormente com o legado deixado por seu art. 133, transformado em chave de abóbada para a indispensabilidade do advogado à administração da justiça, vez que, no desempenho de seu ministério privado, exerce indiscutível função pública.

O Estatuto da Advocacia e da OAB, além de consignar o estuário das prerrogativas profissionais, estabeleceu o dever legal de o advogado cumprir, rigorosamente, os comandos normativos de seu Código de Ética e Disciplina, norma raiz que regulamenta a relação do advogado com os clientes, com os demais profissionais do mundo jurídico, a publicidade, a recusa de patrocínio, o dever geral de urbanidade, dentre outros, além do processo ético-disciplinar.

Com efeito, por imposição da Lei nº 8.906/1994, foi editado o primeiro Código de Ética e Disciplina da OAB, aprovado em 13 de fevereiro de 1995, que revelou as regras deontológicas da advocacia, alinhando, a partir de então, a conduta profissional do advogado com o universo ético-disciplinar.

Malgrado o Código de 1995 tenha promovido grandes avanços para o aperfeiçoamento da advocacia e, por conseguinte, da própria cidadania, não há como negar que as transformações pelas quais a sociedade brasileira passou nas últimas duas décadas, destacadamente, com o fortalecimento das instituições republicanas, da democracia e do papel do advogado como agente de promoção da cidadania, forçavam a uma profunda revisão nas regras deontológicas da advocacia, no intuito de sintonizá-las com a dinâmica das relações sociais coevas, o que veio com a Resolução nº 2, de 19 de outubro de 2015, oriunda do Conselho Federal da OAB, instituindo o novo Código de Ética e Disciplina da OAB.

Dentre as inovações trazidas pelo novo Código, a advocacia pro bono é, sem qualquer ensancha de dúvida, a mais significativa para a consolidação da cidadania em território pátrio, com especial destaque para a universalização do acesso à Justiça, mormente das camadas sociais mais vulneráveis. Com a advocacia pro bono, aprovada numa verdadeira atmosfera de consciência profissional e cidadã, evidenciou-se a importância do advogado na materialização das garantias constitucionais e no respeito ao estuário legal vigente. O presente trabalho construirá uma reflexão sobre a atuação do advogado, por via da advocacia pro bono, na consolidação da cidadania no Brasil.

2. A ética profissional

O homem é um ser social e moral que, malgrado dotado de liberdade, como valor inato à própria concepção de homem, vive envolto no ambiente que lhe hospeda e tem suas condutas sempre ponderadas pela perspectiva de julgamento social, sobretudo, pela possibilidade de sanção.

E, atrelado à ideia de ética, o homem, de forma geral, tende a adequar qualquer “objeto” a julgamento próprio e interno, por meio do conceito de “bem” ou “mal”, de modo que Immanuel Kant, em sua obra Crítica da Razão Prática, traçando um paralelo de vinculação do “bem” e do “mal” à vontade e à lei da razão, preceituou que:

“O bem (Güte) ou o mal (Böse) significam contudo sempre uma relação de vontade, quando esta for determinada pela lei da razão a formular com algo um objeto que consentaneamente, porquanto a vontade nunca se determina imediatamente pelo objeto e sua representação, constitui uma faculdade de fazer, mediante uma regra da razão e para si mesma, a causa geradora de uma ação (mediante a qual um objeto pode ser realizado), Güte ou Böse contém pois o sentido que se deve referir às ações e não ao estado sensível da pessoa; e se alguma coisa tivesse de ser absolutamente boa ou má (gut ou böse), em todo o sentido e sem qualquer condição ulterior, ou ser como tal considerada, seria apenas o modo de agir, a máxima da vontade, e consequentemente a própria pessoa operante, não, porém, uma coisa que fosse determinada boa ou má” (KANT, 1954, p. 123).

Assim, sob a incidência da lei da razão, a relação de vontade, e consequentemente a ação em si, será a responsável pela adoção do conceito, para determinada conduta, como boa ou má. E, como um ser ético, o homem há de direcionar a sua atuação no combate ao que agride o seu próximo, buscando a concretização do bem-estar de outrem e da coletividade.

Roberto Gonçalves de Freitas Filho (2004, p. 34), nessa esteira, em seu artigo “Ética e Advocacia Pro Bono”, sustentou que:

“Mais que lamuriar o quadro de sofrimento, a humanidade busca elementos de resgate da condição humana esmagada pela insuficiência econômica. Não poucas têm sido as tentativas de ação.

Duas grandes linhas pretendem orientar a ação. A primeira, oficial, repousa na capacidade que deve ter o Estado, como regulador da vida social, de intervir por meio de seus instrumentos corrigindo as distorções; a segunda é fundada na solidariedade que existe entre os seres humanos”.

Ora, no âmbito profissional, o advogado há de seguir uma conduta escorreita e digna no desempenho de suas funções, mediante a observância de regramentos estabelecidos por ditames não apenas legais, mas também por comandos morais, como algoritmo valorativo predisposto a conduzir o comportamento sempre por uma ideia de benfazejo.

Sob o prisma constitucional, a ética categorizou o Direito como valor social muito além da mera legalidade positivista de outrora, estabelecendo como preceito fundante do Estado constitucional a dignidade da pessoa humana, vista como princípio matriz de toda e qualquer organização política contemporânea. Pela veia da ética, a razão supera os sedimentos do mero formalismo da lei, para construir uma verdade valorativa, em que o homem é o núcleo de proteção máxima das forças do constitucionalismo.

Essa conexão aportou no Brasil com o advento da CF de 1988, tendo seu registro plasmado já no preâmbulo do Texto Magno, ao assegurar que o Estado brasileiro será

“[...] destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias [...]”.

O advogado há de seguir uma conduta escorreita e digna no desempenho de suas funções.

Sob essa perspectiva, a ética há de ser considerada como elemento fundante de qualquer sociedade, vez que edificada sobre sólida estrutura moral – muito embora não deixe de ser também legal, servindo, portanto, como valor de referência e preceito endógeno ao sentimento de liberdade, igualdade e fraternidade.

O advogado, assim, revestiu-se, sob a égide do art. 133 da CF/1988, do manto da indispensabilidade na administração da justiça, trazendo para si prerrogativas e inviolabilidades na defesa dos interesses de seus constituídos e de toda a sociedade, o que lhe impõe uma missão social que vai muito além da mera relação profissional com seus clientes, antes de materialização das garantias constitucionais, dentre as quais a de assegurar o acesso universal à Justiça.

É notório o respeito conquistado pela advocacia brasileira, tanto interna quanto externamente, pelos avanços por ela alcançados no debate constitucional tupiniquim, especialmente no aperfeiçoamento da cidadania, das instituições democráticas e na consolidação do advogado como instrumento indispensável ao constitucionalismo pátrio. Essa perspectiva muito se deve à criação da OAB e ao papel que a instituição tem desempenhado nos quadros históricos da vida política nacional, destacadamente no comprometimento com o republicanismo e a democracia.

Esse dinamismo da OAB refletiu, de forma imediata, na construção de elementos axiológicos capazes de radicar a advocacia brasileira, por via de balizas legais e éticas, dentro de uma aliança que, de um lado, defende a correta aplicação das normas jurídicas e, noutro quadrante, a maturação de um padrão moral, plasmado nos Direitos Humanos, intrínseco ao conceito de advogado.

Assim, é essencial ao homo forensis manter-se reto em seu habitat, que deve ser a interminável obra do Estado Democrático de Direito, cujo alicerce pode ser sintetizado na busca pela sagrada cidadania ampliada, objetivo final da razão humana.

3. O novo Código de Ética e Disciplina

O novo Código de Ética e Disciplina da OAB é dividido em três títulos, quais sejam: “Da Ética do Advogado”, “Do Processo Disciplinar” e “Das Disposições Gerais e Transitórias”, de modo que o primeiro, composto de nove capítulos, é voltado para a definição das condutas permissivas e exigidas da profissão.

Como princípios fundamentais, no exercício da advocacia, o novo Código de Ética e Disciplina impõe, ao longo do seu art. 2º, os deveres na defesa do Estado Democrático de Direito, os direitos e garantias fundamentais, a cidadania, a moralidade, a Justiça e a paz social.

Incumbe aos advogados, dentre outros deveres, a preservação da honra, nobreza e dignidade da profissão (inciso I); a atuação independente e com boa-fé (inciso II); velar por sua reputação pessoal e profissional (inciso III); buscar a resolução de problemas da cidadania e efetivação de direitos individuais, coletivos e difusos (inciso IX); zelar pelos valores institucionais da OAB e da advocacia (inciso XI).

Já o seu art. 5º destinou-se, exclusivamente, a coibir qualquer conduta que possa levar à mercantilização da profissão, vedando, em decorrência, o oferecimento de serviços profissionais com o afã de angariar e captar clientela (art. 7º).

Em face de suas relações com o cliente, exsurge o dever do advogado de formular um juízo prévio de viabilidade jurídica da pretensão autoral, nos termos do inciso VII do art. 2º do novo Código de Ética e Disciplina, cabendo a dito profissional informar os possíveis riscos na postulação jurisdicional, bem como as consequências que possam advir da demanda (art. 9º).

A fidúcia é o pálio da relação entre advogado e cliente, constituindo, assim, a liga inquebrantável da atuação profissional. Essa confiança recíproca foi tratada pelo Código de 2015 com tamanha fidalguia, que o Digesto recomenda, ante sua tibieza, o substabelecimento ou a renúncia do mandato outorgado, não sem antes exaurir a possibilidade de diálogo entre constituinte e constituído (art. 10).

Cabe, portanto, ao advogado, no exercício de seu mandato, expor a melhor e mais adequada orientação ao caso patroneado, buscando esclarecer ao seu cliente a estratégia traçada (art. 11). Todavia, não há de se sujeitar à imposição para atuar ao lado de um confrade (art. 24). Nesse sentido, ao advogado é garantido o tirocínio de seu mister, sendo, portanto, livre para escolher seu modus operandi, cujos limites são apenas os de ordem legal e ética.

Na defesa dos interesses dos constituídos, cabe ao advogado a adoção de uma postura regada pelo dever de urbanidade nas relações com os seus colegas, agentes políticos, autoridades, servidores públicos e terceiros em geral, preservando, de toda sorte, os seus direitos e prerrogativas e exigindo igual tratamento de todos com quem se relacione, em consonância com os preceitos do caput do art. 27 do Código de Ética e Disciplina.

É considerado imperativo, ademais, para o desempenho de uma correta atuação profissional, o emprego de linguagem escorreita e polida, bem como a observância de boa técnica jurídica (art. 28).

O advogado deve preservar em sigilo os fatos dos quais tome conhecimento no exercício da profissão, independentemente de solicitação de reserva por parte do cliente, presumindo-se, ainda, como confidencial a comunicação de qualquer natureza entre o advogado e o seu cliente (arts. 35 e 36, caput e § 1º).

No desempenho de seu mister, o advogado deve abster-se de condutas que levem à mercantilização da advocacia (art. 5º). Nesse diapasão, a publicidade profissional guiar-se-á pelo caráter meramente informativo e pautar-se-á pela discrição e sobriedade, afastando-se, dessa forma, da intenção de captação de clientela (art. 39).

O advogado deve preservar em sigilo os fatos dos quais tome conhecimento no exercício da profissão.

Dentre as vedações para a publicidade profissional, destaca-se a proibição do uso de rádio, cinema e televisão, utilização de outdoors, inscrições em muros, paredes, veículos e elevadores, divulgação da advocacia juntamente com outras atividades, fornecimento de dados de contato – como endereço e telefone – na imprensa e a distribuição de panfletos (art. 40, incisos I usque VI). São, todavia, admissíveis o patrocínio de eventos ou publicações de caráter científico-cultural e a divulgação de boletins, por meio físico ou eletrônico, acerca de matéria cultural de interesse dos advogados, desde que restrita a clientes e interessados do meio jurídico (art. 45).

E, frente ao liame contratual firmado entre o advogado e o seu cliente, os honorários profissionais devem ser fixados com moderação, observando-se, dentre outros, a relevância e a complexidade das questões versadas, o trabalho e tempo a serem empregados, valor da causa, condição econômica do cliente e o proveito a ser resultante, o lugar da prestação dos serviços e a competência do advogado (art. 49, incisos I, II, IV, VI e VII).

A prestação de serviços profissionais por advogado deve ser firmada, preferencialmente, por escrito, estabelecendo-se, com precisão e clareza, o seu objeto, a extensão do patrocínio, a abrangência ou limitação de atos em determinado grau de jurisdição, a forma de pagamento e os valores dos honorários, em atenção ainda aos valores mínimos da Tabela de Honorários instituída pelo respectivo Conselho Seccional, sob pena de aviltamento (art. 48, caput e §§ 1º e 6º).

Tornou-se expressamente permitido, ademais, ao advogado ou sociedade de advogados, o emprego de sistema de cartão de crédito no percebimento de seus honorários, mediante credenciamento junto à empresa operadora do ramo (art. 53, caput).

Destarte, como uma das maiores inovações trazidas pelo novo Código de Ética e Disciplina, regulamentou-se a advocacia pro bono, por via da qual o advogado pode empregar seu ofício no patrocínio de causas, de forma graciosa, envolvendo as camadas mais vulneráveis. O novo Código cuidou da advocacia pro bono mediante a dicção de seu art. 30, sanando, assim, a lacuna existente no Digesto de 1995.

4. A advocacia pro bono

A CF de 1988, na busca pela garantia de acesso à Justiça de forma universal, estabeleceu, mediante o inciso LXXIV de seu art. 5º, como direito fundamental, a prestação de assistência jurídica integral e gratuita àqueles que comprovarem a insuficiência de recursos.

E, como maneira de efetivar tal garantia, instituiu a Norma Ápice a Defensoria Pública como “instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal” (art. 134).

Não se discute, por esterilidade, o imensurável progresso trazido pela Carta Magna ao instituir a Defensoria Pública como instrumento garantidor de acesso à Justiça. Através dos defensores públicos, estruturados em carreira, a CF assegurou o emparelhamento das classes sociais em um patamar único de dignidade, pois dotou as camadas mais vulneráveis de uma ferramenta hábil na defesa de seus direitos em juízo ou fora dele.

Entrementes, mesmo diante da instituição das Defensorias Públicas no Brasil, a advocacia, honrando sua história de parceira da cidadania, não poderia afastar-se desse múnus público, quedando-se ao ministério apenas privado. E assim não o fez. Em verdade, os advogados brasileiros têm patrocinado a defesa dos mais vulneráveis em todos os tempos e nos mais diversos rincões do país, notabilizando-se, outrossim, como o maior samurai das liberdades públicas e o mais festejado agente de promoção da cidadania. Ressalte-se que esse patrocínio tem ocorrido de forma graciosa para o constituído, malgrado, na totalidade dos casos, oneroso para o advogado.

Se é certo que as Defensorias Públicas ainda carecem de estruturas, material e humana, para bem desempenharem o extraordinário papel institucional assegurado pela Constituição, não menos verdade, doutro lado, que a advocacia pro bono é realidade no país desde priscas eras e tem cumprido, com maestria, a nobre missão de permitir o acesso das classes sociais mais carentes à Justiça. Com efeito, tal ministério vem consolidando, com galhardia, o sentimento cidadão em território pátrio.

De toda forma, faltava à advocacia nacional uma estrutura jurídica que condensasse um regramento específico na esfera ético-disciplinar. Nesse sentido, em 9 de novembro de 2004, o Pleno do Conselho Federal da OAB,1 ao apreciar a Proposição nº 0037/2002-CP, que dispunha sobre a proposta de resolução para regulamentação da atividade pro bono, sob a relatoria do conselheiro Sérgio Ferraz, admitiu a relevância da matéria para edição de provimento, nos termos do art. 79, § 1º, do Regulamento Geral, por 21 votos a favor (AC, AL, AP, AM, BA, CE, DF, GO, MA, MG, PA, PR, PI, RJ, RS, RO, RR, SP, SE, TO e MHV Hermann Assis Baeta) a 5 contra (ES, MT, MS, RN e SC).

Finalmente, o advogado, enquanto ser humano, logo, indivíduo ético, passou a encontrar, sob a vigência do Código de Ética e Disciplina de 2015, a expressa possibilidade – e regulamentada – de exercer a sua solidariedade em favor dos interesses jurídicos dos mais necessitados, com a expressa ressalva que de modo gratuito e voluntário.

Pois bem, segundo expressa o art. 30, § 1º, do Código de 2015, a advocacia pro bono é conceituada como

“a prestação gratuita, eventual e voluntária de serviços jurídicos em favor de instituições sociais sem fins econômicos e aos seus assistidos, sempre que os beneficiários não disporem de recursos para a contratação de profissional”.

Roberto Gonçalves de Freitas Filho, no artigo intitulado de “Ética e Advocacia Pro Bono”, classificou o exercício da atividade pro bono como “louvável dedicação de profissionais da advocacia em favor de interesses jurídicos e humanitários. Nesse sentido, está a merecer todos os encômios” (2004, p. 34).

Assim, com a regulamentação da atividade pro bono, tornou-se plenamente possível a execução de serviços de profissionais da advocacia de forma solidária, na defesa da cidadania, vez que a advocacia pro bono pode ser exercida, também, em favor das pessoas naturais que não disponham de recursos para, sem prejuízo do próprio sustento, contratar um advogado (art. 30, § 2º).

Sob o enfoque ético da atuação do profissional, o Código de Ética e Disciplina de 2015 incumbiu ao defensor nomeado, conveniado ou dativo o dever de empregar o zelo e a dedicação habituais, objetivando com que a parte sinta-se amparada e confie no seu patrocínio (art. 30, caput).

Noutro quadrante, cuidou ainda o Digesto Ético-Disciplinar de impedir a utilização da advocacia pro bono por profissionais que, ignorando a nobreza do ofício, adulteram-na em nome de vantagens pessoais, políticas e/ou econômicas, travestindo-se em fantasiosas filantropias. A vedação, com efeito, encontra âncora no § 3º do art. 30, segundo o qual está proibida a utilização da advocacia pro bono para fins político-partidários ou eleitorais, ou para beneficiar instituições com tais finalidades, ou, ainda, como instrumento de publicidade para captação de clientela.

5. Conclusão

O Estado constitucional, após superar a fase positivista, formulou seus alicerces na concepção de estruturas político-jurídicas axiológicas, elevando, dentro desse diálogo, a dignidade da pessoa humana a princípio raiz de toda a ética social.

A ideia de bem e mal, longe de qualquer maniqueísmo tacanho, passou a ser valorada a partir de preceitos éticos, consolidados em costumes e, posteriormente, em normas jurídicas ordenadas por segmentos sociais.

Nesse ensejo, por via da regulamentação da advocacia pro bono, o novo Código de Ética e Disciplina da OAB assegurou, mediante balizas bem definidas, a efetivação da solidariedade advocatícia, permitindo, com isso, a materialização da dignidade da pessoa humana para determinadas camadas sociais, destacadamente aquelas que não dispõem de instrumentos para a proteção dos seus direitos. O advogado, finalmente, encontrou a expressa possibilidade de concretizar os direitos de terceira geração, fundados no princípio da fraternidade, patroneando os interesses jurídicos dos mais necessitados de forma gratuita e voluntária.

A atuação do causídico importa no próprio alcance da cidadania, possibilitando aos constituídos a resolução de seus conflitos de forma digna e civilizada. E, uma vez reformulado o Digesto Ético-Disciplinar da OAB, a atividade da advocatícia pro bono não poderia ter sido olvidada novamente, frente ao seu objetivo real, que é o de garantir o acesso à Justiça das camadas sociais mais vulneráveis.

Assim, a atividade jurídica, e, precipuamente, a advocatícia, é, sem resquício de dúvidas, indispensável para a conquista da Justiça, quando, como sua missão social, incumbe-se da defesa dos interesses de seus constituídos e, igualmente, de toda a sociedade, na aplicação das normas catalogadas na ordem constitucional e, sobretudo, na materialização dos Direitos Fundamentais.
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