Doutrinas > Processo Civil - CPC 2015
A orientação do artigo 926 do CPC e a legalidade das súmulas editadas pelos Tribunais de Justiça no âmbito dos planos de saúde
Autor: André Pifano Soares FerreiraData de publicação: 19 de janeiro de 2017
Os Tribunais de Justiça, estimulados pela exigência descrita nos parágrafos 1º e 2º do artigo 926 do CPC/15, têm editado súmulas para nortear os seus julgamentos e tornar a jurisprudência estável e coerente. Mas esta atividade deve possuir limitações e guardar relação com a legislação vigente, sob o risco de usurpação da competência para declaração de inconstitucionalidades.
Alguns Tribunais de Justiça Estaduais, antes da vigência do NCPC, já haviam editado súmulas sobre planos de saúde, as quais, se interpretadas sobre o enfoque da legislação da saúde suplementar, poderão ter sua validade questionada.
O teor das súmulas 286, do TJ/RJ, e 99 do TJ/SP, por exemplo, estabelecem obrigações que poderão causar severos prejuízos financeiros, a médio e longo prazos, às Cooperativas de Trabalho Médico. Estas possuem gestão e capital próprios, avaliando por isto de forma individualizada os riscos contratual e da prestação de serviços que assumiram perante seus clientes. Esta postura possui respaldo no artigo 199 da CF, cujo texto admite a atuação da iniciativa privada de forma complementar ao Estado, bem como no artigo 16, inciso X, da lei 9656/98, a qual assegura às prestadoras de serviços de saúde a possibilidade de fixar a prestação de serviços a determinada área geográfica. Apenas em situações excepcionais esta limitação poderá ser superada, sendo elas os casos de urgência e emergência ou a impossibilidade que o serviço seja prestado dentro da área de abrangência.
A hipótese de urgência e emergência exige que a atenção médica seja imediata e, por isto, uma situação excepcional. No entanto, para a ausência de prestador na área de abrangência contratual a solução deve ser dada em conformidade ao artigo 5º da RN 259 da ANS. Segundo esta norma, cumpre à operadora assegurar ao beneficiário que o tratamento seja realizado em prestadores credenciados situados nos municípios limítrofes ou, na impossibilidade destes, arcar com o transporte do paciente até um prestador apto a realizar o procedimento. Isto é importantíssimo para a autonomia e gestão de recursos de cada Cooperativa na medida que, em regra, ocorrerá apenas a superação do limite de abrangência geográfica do contrato, mas não o limite de atendimento em prestadores conveniados.
Assim, não se pode admitir a responsabilidade de gastos com beneficiários de outra operadora, de forma solidária, devendo cada Cooperativa ser analisada pelo Judiciário de forma individualizada.
Também relacionada aos riscos contratuais, observa-se a edição das súmulas 12, 07, 338 e 90, respectivamente editadas pelos Tribunais de Justiça dos Estados da Bahia, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo, as quais determinam fornecimento do tratamento de home care. O teor usurpa a competência legislativa atribuída à Agência Nacional de Saúde Suplementar, descrita no §4º, artigo 10 da lei 9656/98, que impõe a ela a fixação de quais serão as coberturas obrigatórias. O home care não integra este rol mínimo, sendo seu fornecimento uma liberalidade da operadora.
A cláusula contratual que exclua esta cobertura também não poderia ser considerada abusiva, como o faz o texto das Súmulas. O CDC, nos dizeres do artigo 35-G da lei 9656/98, possui a aplicação subsidiária a esta e a sua leitura não permite interpretação extensiva.
Por fim, a súmula 102 editada pelo TJ/SP é a que mais surpreende. O teor afronta a previsão dos artigos 10, I da lei 9656/98, e 19-T da lei 8080/90. Estes dispositivos excluem da cobertura pela iniciativa privada ou pelo SUS o dever de cobrir tratamentos experimentais à razão dos riscos envolvidos em testes e permeada pela incerteza quanto aos seus resultados para a saúde do paciente. Este respaldo também dado à iniciativa privada pelo CDC, o qual é amplamente difundido como fundamento para ampliação das coberturas contratuais. O artigo 14, parágrafo primeiro, estabelece que as operadoras de planos de saúde serão responsáveis, independentemente de culpa, pelos danos causados ao consumidor por produtos sem segurança que disponibilizem no mercado. O tratamento considerado experimental inviabiliza afirmações sobre a sua acurácia e indicação ao tratamento do paciente, impossibilitando se atestar a segurança do produto ou serviço disponibilizado. Nesta linha de raciocínio, também não poderiam se responsabilizar financeiramente pelos danos causados.
Balizado nestas considerações, conclui-se que as súmulas editadas margeiam a ilegalidade, geram notório impacto na sinistralidade dos planos de saúde e a suas aplicações para a solução de demandas judiciais exigirão em breve uma análise pelas Cortes Superiores sobre a sua validade. « Voltar