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Doutrinas > Processo Civil - CPC 2015

Algumas palavras sobre responsabilidade patrimonial e execução

Autores: Jorge Amaury Maia Nunes e Guilherme Pupe da Nóbrega
Publicado no site em: 17 de outubro de 2016



O débito compreende um dever para o devedor e uma responsabilidade para o seu patrimônio. A obrigação, como dívida, é objeto do direito material; a responsabilidade, como sujeição dos bens do devedor a sanção que atua pela submissão à expropriação executiva, é instituto processual. São, como se vê, coisas distintas e, exatamente por isso, e por não necessariamente se identificarem, é que se admite que alguém que não seja devedor-obrigado possa ser responsabilizado em seu patrimônio.

Sendo a responsabilidade patrimonial, a execução forçada incide sobre o patrimônio do devedor, isto é, sobre os seus bens, e não sobre a sua pessoa, ressalva feita à prisão civil como resquício da remota responsabilidade pessoal que antecedeu a Lex Poetela Papiria.X
by TurboMacA responsabilidade patrimonial, assim, concentra sobre os bens do executado os atos de expropriação destinados a viabilizar a satisfação da obrigação de pagar quantia certa exequenda. Não é outra, a propósito, a dicção do artigo 789, que soa que o executado responde pela obrigação com seus bens presentes e futuros, assim entendidos aqueles preexistentes à formação da obrigação e ao ajuizamento da execução e, bem assim, aqueles que sobrevierem, aderindo supervenientemente o patrimônio do executado.

Nessa senda, é a penhora o ato executivo primevo a instrumentalizar todos os demais até que se culmine na expropriação. É a mesma penhora que, a rigor, discrimina bens na universalidade abstrata que integra o patrimônio do executado. É a partir dela que aqueles mesmos bens passam a “existir” para o processo, tornando possível a prática dos atos subsequentes (depósito, avaliação etc.).

Se é certo que o resultado aspirado pela execução passa pela afetação patrimonial, igualmente certo que essa incursão na esfera jurídica do executado conhece limites inspirados pela menor onerosidade e pela dignidade da pessoa humana. Daí a ressalva contida na parte final do já mencionado artigo 789, que põe a salvo da execução as impenhorabilidades constantes das exceções legais, que se dividem em absolutas e relativas.

À partida, os artigos 832 e 833, I, dispõem que não estarão sujeitos à execução os bens inalienáveis, ilustrados pelo usufruto (artigo 1.393), pelo bem testado com cláusula de inalienabilidade (artigos 1.848 e 1.911), pelo crédito alimentar (artigo 1.707), pelo bem de família (artigos 1.711 e 1.715), pelo nome empresarial (artigo 1.164) e, ainda, pelos bens públicos (artigo 100, todos do Código Civil), assim considerados, esses últimos, aqueles pertencentes às pessoas jurídicas de direito público, à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos1 e, bem assim, às sociedade de economia mista, desde que afetados ao interesse público2. Vale o registro de que a impenhorabilidade de bens públicos, mesmo sendo absoluta, não impede, contudo, excepcional sequestro na hipótese de preterição na ordem de pagamento de precatórios, consoante reza o § 6º do artigo 100 da Constituição.X
by TurboMacO inciso II do artigo 833 (conjugado com o artigo 2º da lei 8.009/90, de sua vez, traz a proteção aos bens que guarneçam a residência do executado. A proteção não é absoluta, comportando relativização: bens de elevado valor ou que ultrapassem as necessidades correspondentes a um médio padrão de vida estarão sujeitos a constrição. Não é despiciendo anotar que o “padrão de vida” a que faz menção a norma é aquele alusivo ao homem médio, e não ao padrão de vida do executado. Sem embargo, deparando com bens alcançados pela proteção inserta no aludido inciso II, caberá ao oficial de justiça, nos termos dos §§ 1º e 2º do artigo 836, a descrição dos bens, designado depositário provisório o executado.3

O inciso III do dispositivo em comento resguarda o vestuário e os bens de uso pessoal do executado. Novamente, há exceção com relação a bens que sejam de elevado valor.

As verbas de natureza alimentar são objeto do inciso IV, e sua proteção encontra justificativa na presunção legal de sua afetação em razão de sua destinação ao custeio de despesas para prover a subsistência do executado. A impenhorabilidade, nada obstante, sofre relativização, sendo inoponível à execução que, de outro lado, pretender cobrar valores igualmente de caráter alimentar, hipótese em que se autorizará, mesmo, o desconto em folha (artigo 912).

A proteção constante do referido inciso IV também cederá, na forma do § 2º do artigo 833, quando os valores percebidos na forma do inciso IV superarem cinquenta salários mínimos, independentemente de se tratar de obrigação exequenda de natureza alimentícia ou não. O fundamento está em que, ultrapassado aquele patamar — excessivamente alto, diga-se — há perda do caráter alimentar, eis que a parcela excedente ultrapassaria o mínimo necessário à mantença digna do executado.X
by TurboMacQuanto ao inciso V, merece ressalva que a impenhorabilidade dos livros, máquinas, ferramentas, utensílios, instrumentos ou outros bens móveis necessários ou úteis ao exercício de qualquer profissão. Note-se que não há falar em caráter imprescindível, bastando a utilidade do objeto para que seja ele protegido. Calha o registro adicional de que, apesar de a proteção não alcançar a sede do estabelecimento comercial — na esteira da súmula 451/STJ e do artigo 862 do CPC/15 —, já havia jurisprudência sobre o tema no sentido de que as pessoas jurídicas de pequeno porte igualmente titularizam a proteção, quando os bens objeto de constrição sejam indispensáveis ao seu funcionamento.4 O raciocínio, ademais, foi reforçado pelo § 3º do artigo 833.

O seguro de vida, absolutamente impenhorável, consta do inciso VI, seguido, no inciso VII, pelos materiais necessários a obras em andamento, salvo quando as obras forem penhoradas. Sobre esse último dispositivo, importa dizer, apenas, que se há resguardo da obra pronta e acabada, sentido não haveria em fazer ceder a proteção na hipótese de obra em andamento, como no caso de um bem de família em construção.

A proteção à pequena propriedade rural (artigo 4º, II, da lei 8.629/93 c/c artigo 50, § 2º, da lei 4.504/64), trabalhada pela família, já constava do artigo 5º, XXVI, da Constituição, e do § 2º do artigo 4º da lei 8.009/90. O inciso VIII do artigo 833 vem reforçar a disposição.

Já a impenhorabilidade dos recursos públicos para aplicação compulsória em educação (artigo 77 da lei 9.394/96), saúde ou assistência social (inciso IX), bem assim os recursos públicos do fundo partidário (inciso XI do artigo 833 do CPC/15 e artigo 41-A da lei 9.096/95), conservam uma justificativa lógica que privilegia valores afetados por sua destinação, protegendo-os contra o direito creditório individual na medida em que instrumentalizam direitos fundamentais.X
by TurboMacO inciso X trata da impenhorabilidade do valor, até quarenta salários mínimos, depositados em poupança. De nossa parte, o CPC/15 perdeu a oportunidade de eliminar o dispositivo, que torna possível a paradoxal chancela do inadimplente poupador, isso sem falar na aplicação extensiva que por vezes é lamentavelmente dada ao dispositivo pelo STJ.5

Há inovação no inciso XII com a proteção dos créditos oriundos de alienação de unidades imobiliárias, sob regime de incorporação imobiliária, vinculados à execução da obra (artigos 31 e 31-F, § 14, da lei 4.591/64). Na linha do inciso VII, o objetivo é propiciar o término da obra, resguardando-se, ademais, interesses de terceiros condôminos, que, somados, hão de se sobrepor ao direito creditório individual do exequente.

À derradeira, é de se mencionar que nenhuma das impenhorabilidades acima será oponível à execução de dívida relativa ao próprio bem, inclusive àquela contraída para sua aquisição, a teor do § 1º, do artigo 833. O intuito, lógico e aparente, é o de evitar a aquisição fraudulenta por aquele que, sem recursos, obtém bem que goze de proteção e, sem outros bens penhoráveis, enriqueceria ilicitamente, usufruindo a coisa impassível de constrição. « Voltar