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Doutrinas > Processo Civil - CPC 2015

Audiência de mediação e conciliação - Art. 334 do CPC/15

Autor: Luiz Rodrigues Wambier
Publicado no site em: 13 de outubro de 2016



Preliminarmente

O presente ensaio nasce a partir de dúvidas e ponderações nascidas nas salas de aula ao tratar do instituto da audiência de mediação e conciliação, previsto no art. 334 do CPC/15. Por se tratar de uma técnica nova, e ainda em fase de experimentação, muitas são as dúvidas e controvérsias quanto à instrumentalização prática do referido instituto. Questões como o prolongamento do prazo para a apresentação da contestação e o problema da quebra da paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, a possibilidade de transação nas demandas que versam sobre o interesse público e o papel da colaboração processual e a efetiva necessidade da presença de advogado para a realização da audiência, consistem em dúvidas suscitadas nos bancos acadêmicos e que merecem uma análise crítica mais detalhada.

Ainda é preciso destacar a importância e pertinência desta coluna, que entende a produção do conhecimento como fruto de questionamentos e ponderações e não de afirmações peremptórias, haja vista ser o Direito uma ciência social e que, nessa condição, deve estar sempre sendo questionado, revisitado e recriado, a partir da realidade e na busca da consecução da Justiça.

1. Noções gerais e previsão legal

A audiência de conciliação ou de mediação tem previsão no artigo 334 do CPC/15 (lei 13.105/15) e representa instituto a instrumentalizar a disposição da norma fundamental prevista no art. 3º, §§ 2º e 3º do novo diploma processual2, que determina o comprometimento do Estado em promover, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos.

Um dos princípios norteadores da aplicação do novo processo civil corresponde justamente ao dever de incentivo para as práticas de conciliação e mediação por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial. Isso significa que todos os sujeitos do processo devem estar atentos e empenhados em buscar meios e viabilizar condições para a solução consensual de conflitos, visando à pacificação do conflito, bem como ao descongestionamento do Poder Judiciário de demandas judiciais, justamente visando à efetividade e celeridade do processo.

O Novo Código de Processo Civil (lei 13.105/2015) consagra o movimento da constitucionalização do processo, pois em seus dispositivos inaugurais (art. 1º ao 12º) estão dispostas as normas fundamentais, nas quais se percebe claramente a preocupação com a sintonia do processo com as regras e princípios constitucionais3.

Tal norma fundamental está intrinsecamente ligada à ideia de cooperação no processo, que configura outra importante diretriz normativa da nova lei processual civil, estampada no art. 6º4.

Com relação ao princípio da colaboração no processo civil, observam Daniel Mitidiero, Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart:

A adequada construção do modelo cooperativo de processo e do princípio da colaboração, que é a ele inerente, serve como linha central para a organização de um processo civil que reflita de forma efetiva os pressupostos culturais do Estado Constitucional. A colocação da colaboração nesses dois patamares visa a destacar, portanto, a necessidade de entendê-la como eixo sistemático a partir do qual se pode estruturar um processo justo do ponto de vista da divisão do trabalho entre o juiz e as partes no processo civil5.

Portanto, o mecanismo da audiência de conciliação ou de mediação consiste em previsão que visa a estimular a solução consensual dos litígios, concedendo à autonomia privada um espaço de maior destaque no procedimento, além de representar uma tendência mundial de abrir o procedimento comum para os meios alternativos de solução de disputas, tornando a solução judicial hipótese secundária de composição de litígios6.

2. Forma e procedimento

Quanto ao procedimento, determina a legislação processual civil em seu artigo 334 que se a petição inicial atender a todos os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido (art. 332), o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação (conforme matéria envolvida na lide apresentada), com antecedência mínima de trinta dias, devendo ser citado o réu com pelo menos vinte dias de antecedência. A intimação do autor para a audiência será feita na pessoa de seu advogado.

Tal previsão, embora estipule um prazo mínimo para a designação da data, não prevê prazo máximo, o que poderá acarretar a demora na realização da audiência e o prolongamento do prazo para a apresentação da contestação, o que pode ferir a norma fundamental estatuída no art. 7º7 quanto à paridade no tratamento das partes no processo8.

Assim, percebe-se que a realização da audiência de conciliação ou de mediação é a regra, também de acordo com o art. 27 da lei 13.140/20159.

O conciliador ou mediador (art. 165 e seguintes10) atuará necessariamente onde houver, considerando a existência do centro judiciário de solução consensual de conflitos, observado o disposto no art. 165, §§2º e 3º e as disposições da lei de organização judiciária.

Os princípios informadores são o da independência, imparcialidade, autonomia da vontade, confidencialidade, oralidade, informalidade, decisão informada. A confidencialidade abrange todas as informações produzidas no curso do procedimento, cujo teor não poderá ser utilizado para fim diverso daquele previsto expressamente pelas partes. Tal fato origina-se do dever de sigilo do conciliador e mediador, que se estende aos membros de suas equipes.

São admitidas a aplicação de técnicas de negociação, com o escopo de proporcionar ambiente favorável à autocomposição. Porém é a livre autonomia dos interessados que deve reger o ato, inclusive quanto à definição das regras procedimentais (art. 166, § 4º11).

Considerando que a realização da audiência está no âmbito da disposição conjunta das partes, elas podem celebrar negócio jurídico, no curso do processo ou antes dele, excluindo de antemão a realização de tal ato (art. 190)12.

A não ocorrência da audiência deve ser exceção, nas hipóteses do § 4º do artigo 33413, o qual deve ser interpretado em conjunto com o art. 166, caput do CPC/2015, no que diz respeito, sobretudo, à autonomia da vontade das partes14.

Dessa forma, está configurado o dever do autor indicar, na petição inicial (art. 319, VII15), seu desinteresse na autocomposição, e o réu, por petição, apresentada com dez dias de antecedência, contados da data da audiência16. Havendo litisconsórcio, o desinteresse na realização do ato deve ser manifestado por todos os litisconsortes.

O legislador deixa clara a opção favorável à autocomposição, uma vez que refere que ambas as partes devem expressamente manifestar o desinteresse na composição consensual. Assim, apenas uma parte manifestando-se contra a realização da audiência, o legislador prefere apostar na possibilidade de a conciliação ou de a mediação vencer a resistência ao acordo em audiência, ainda que tal fato gere uma delonga maior no processo (caso a conciliação ou mediação não restem exitosas) e acabe ofertando à parte ré possibilidade de tempo alargado para preparação de sua defesa, uma vez que o prazo inicial para a contestação apenas começa a correr da data da audiência (ou da última sessão) quando não for possível a autocomposição (hipótese do art. 335, I17).

No caso de litisconsórcio, apenas não haverá a realização da audiência se todos, no polo ativo ou passivo, se opuserem à sua realização (art. 334, § 6º18) e o prazo de defesa tem termo inicial autônomo para cada um deles (art. 335, § 1º).

A solenidade pode realizar-se por meios eletrônicos, nos termos da lei, e seguindo a lógica do novo diploma processual civil de priorizar atos eletrônicos quando possível, em razão da celeridade. (art. 334, § 7º).

Se não houver comparecimento nem justificativa plausível do autor e do réu na audiência, é configurado ato atentatório à dignidade da justiça e haverá sanção com multa de até dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado, considerando que a natureza dessa multa é punitiva, apesar de ter caráter pedagógico preventivo, no sentido de evitar o descomprometimento das partes com a tentativa de solução consensual do conflito.

Não há que se falar em revelia, caso o réu não compareça à audiência. A revelia decorre da não apresentação de contestação (art. 344 CPC/15).

As partes devem estar acompanhadas por seus advogados ou defensores públicos, segundo § 9º do art. 334, porém a interpretação do referido dispositivo deve ser no sentido de que a ausência do advogado impede o ato? Há doutrina no sentido contrário19.

Segundo autorizada doutrina, não há incompatibilidade alguma entre a causa exigir a participação do Ministério Público e ainda assim comportar audiência de conciliação ou mediação20.

Poderá haver constituição de representante, por meio de procuração específica, com poderes para negociar e transigir (art. 334, § 10º). É importante referir que não se admite a utilização da procuração genérica com poderes para negociar: o documento deverá fazer referência expressa ao processo em que poderá ser realizada a negociação21. Havendo autocomposição, será reduzida a termo e homologada por sentença (art. 334, § 11º), constituindo título executivo judicial (art. 515, II) e podendo ser cobrada em procedimento executivo (cumprimento de sentença).

A pauta das audiências de conciliação ou de mediação deverá ser organizada de modo a respeitar o intervalo mínimo de vinte minutos entre o início de uma e o início da seguinte (art. 334, § 12º). Trata-se de previsão que tem por escopo a reserva de tempo mínimo para tentativa de conciliação ou de mediação no procedimento, devendo haver remarcação de uma segunda sessão, somente se o conciliador ou mediador julgar necessário, evitando procrastinações e custos infrutíferos.

3. Cabimento e matérias passíveis de autocomposição

Antes de se adentrar na questão específica e relativa às matérias e direitos passíveis de autocomposição e que podem se submeter à transação, é importante destacar a diferença entre a prática da conciliação e da mediação, conforme dispõe o art. 165, § § 2º e 3º já referidos.

O conciliador poderá sugerir soluções ao conflito, desde que não gere qualquer tipo de constrangimento ou intimidação. Atuará, preferencialmente, nos casos em que não houver prévio vínculo entre as partes (§ 2º do art. 165).

Já o mediador tem a função de instruir as partes, de modo que possam chegar à solução consensual, por si próprias (§ 3º do art. 165), atuando em hipóteses em que há histórico de conflito entre as partes e em que existe entre elas um liame que deve subsistir ao conflito, como por exemplo, no Direito de Família22.

Destarte, visualiza-se que na mediação de conflitos, um terceiro, um mediador, atua como facilitador da resolução do problema, contribuindo para o restabelecimento ou manutenção da comunicação entre as partes para que possam chegar à solução da controvérsia que gerou o conflito. Por sua vez, na conciliação existe um terceiro, conciliador, que conduz e orienta as partes na elaboração do acordo, opinando e propondo soluções. Ainda, na mediação o assistido conta com uma equipe de profissionais multidisciplinar para também ajudar na resolução do conflito relacional com a outra parte, como por exemplo, nas ações de família, conforme preceitua o procedimento especial previsto no art. 694, § único do CPC/1523.

Quanto à hipótese de cumulação de pedidos, quando alguns deles expressarem pretensões que comportam autocomposição, e outros, não, será cabível a audiência relativamente àquela parcela do objeto do processo que admite autocomposição24.

Nas ações em que uma das partes for pessoa jurídica de direito público, tradicionalmente, não se admitiria transação. No entanto, o novo CPC traz previsão no art. 17425 da Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração.

Ainda é preciso referir que no âmbito administrativo, por exemplo, há vários casos de transações autorizadas por lei, como, os acordos em contratos administrativos (artigo 65 e 79, da lei 8.666/1993), os acordos nos procedimentos sancionatórios do Cade (artigo 86, da Lei 12.529/2011). Outras hipóteses de direitos indisponíveis também admitem transação, a exemplo do acordo quanto ao valor e à forma de pagamento em ação de alimentos e o cabimento do compromisso de ajustamento de conduta em processos coletivos, hipótese em que o direito é indisponível (artigo 5º, parágrafo 6º, da lei 7.347/1985)26.

Segundo Ravi Peixoto, em artigo pontual sobre o tema, o que parece ser o grande desafio não é a verificação da aptidão ou não dos entes públicos de fazer acordos, mas sim quais seriam as suas condições. Entende-se que a margem de liberdade para a realização de acordos pelo poder público é menor do que a existente para o setor privado. Acontece que, quando a situação envolve o poder público, tem-se a prévia exigência de autorização normativa para que membro da advocacia pública possa transigir em juízo. Algumas leis possuem autorizações genéricas, tais como o parágrafo único do artigo 10, parágrafo único, da lei 10.259/2001 e o artigo 8º da lei 12.153/2009.

Portanto, inexistindo autorização no referido ente para a autocomposição, a audiência de conciliação ou de mediação não será marcada, não pelo desinteresse das partes, mas pela inadmissão da autocomposição (artigo 334, parágrafo 4º, II, CPC/2015), do contrário, seriam marcadas um sem número de audiência que não teriam qualquer utilidade, eis que o procurador não teria autorização para fazer qualquer proposta de acordo.

Eis que surge o problema: como identificar os casos em que há ou não essa autorização, que pode ter sido feita por meio de ato não facilmente disponível ao público, em especial, ao Poder Judiciário?

Ravi Peixoto apresenta a seguinte solução, no espírito de seguir a lógica e proposta do novo CPC de viabilizar a ocorrência da audiência de conciliação:

A melhor solução, no entanto, é a realização, entre os entes públicos e o Poder Judiciário, de protocolos institucionais. Por meio deles, de forma prévia a instauração dos conflitos, o próprio ente público já poderia informar ao Poder Judiciário em quais casos é ou não possível a autocomposição. Dessa forma, já na instauração do processo, não haveria necessidade de qualquer discussão sobre o cabimento ou não da audiência, ao menos do ponto de vista do artigo 334, parágrafo 4º, II, pois já se teria conhecimento dos casos em que o direito do ente público poderia ser alvo de autocomposição.

Mesmo que não haja nenhum protocolo institucional, parece possível utilizar-se do conceito de fato notório judicial, que seria o fato que, embora desconhecido na vida social, é conhecido pelos magistrados, em geral, em razão do seu ofício, a exemplo de processos anteriores para que o juiz, mesmo quando o ente público seja réu, já faça o despacho da petição inicial com a indicação da citação para contestar e não para comparecer à audiência27.

Tal proposta parece bem consentânea com as diretrizes e normas fundamentais do CPC/15 de incentivo às práticas de conciliação, bem como de cooperação das partes no processo.

Referências Bibliográficas

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