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Doutrinas > Processo Civil - CPC 2015

Mediação como instrumento de governança nas empresas familiares

Autores: Caio Eduardo de Aguirre e Amedeo Papa
Publicado no site em: 05 de Outubro de 2016 As empresas familiares, com sua indiscutível relevância no panorama econômico global, apresentam curiosos paradoxos.

Aquelas já profissionalizadas costumam ser altamente competitivas a ponto de valer mais nas bolsas de valores do que suas concorrentes não familiares. O comprometimento em torno de objetivos comuns, a coesão conferida pelo compartilhamento de valores familiares e a vontade de perpetuar o que foi construído com muito sacrifício conferem nítida vantagem às empresas cujo controle é familiar.

Por outro lado, elas também podem se revelar fonte de graves conflitos, de tal sorte que somente cerca de 5% das empresas familiares cheguem à terceira geração. Ao contrário do que se pode pensar, as causas dessa mortalidade precoce não residem no cometimento de erros estratégicos, condições adversas de mercado ou outro obstáculo comum ao meio empresarial. Na realidade, 65% das empresas familiares terminam por conflitos entre os sócios familiares.

O afeto que rege as relações familiares, sobretudo na cultura latina, tem de conviver lado a lado com a racionalidade que deve imperar no mundo corporativo, proximidade que deságua numa das características mais marcantes da empresa familiar: confusão entre o que é família e o que é empresa. No ambiente familiar se discutem temas da empresa e vice-versa, havendo complicada mistura de papéis e responsabilidades. Todavia, uma boa governança corporativa só existe quando há uma clara definição e plena aceitação dos papéis e responsabilidades da família, sócios e executivos.

Outro elemento intrigante que não surpreende os estudiosos das famílias empresárias é a frequente dificuldade – por vezes inexistência – de comunicação entre familiares a respeito de temas importantes da empresa, apesar do convívio quase que diário e de uma aparente intimidade em assuntos alheios aos negócios.

O quadro se torna ainda mais desafiador na medida em que a profissionalização da empresa familiar muitas vezes passa pela contratação de gestores que não são da família e que não necessariamente estão alinhados com os valores desse sistema. O chamado conflito de agência e a forma de com ele lidar requererá atenção especial quando do ingresso desses profissionais na corporação. A Teoria da Agência, objeto de pesquisa dos autores Jensen e Meckling1 e que estuda a relação entre o proprietário/acionista (chamado de principal) e o gestor contratado (chamado de agente) lembra que tanto o principal quanto o agente buscam maximizar seus ganhos. Porém, os objetivos de ambos não necessariamente se equivalem. Enquanto a família tende a valorizar a perpetuação da empresa sacrificando o retorno financeiro de curto prazo, o gestor contratado, não tendo certeza de sua permanência na corporação, pode priorizar, ao contrário, o retorno em curto prazo, dissintonia que usualmente origina disputas entre profissionais, conselhos pouco efetivos, rivalidade na família, foco em metas e resultados de curto prazo, enfim, a lista de possíveis conflitos de interesses é grande.2

Assim, não há dúvidas de que o peculiar ambiente das empresas familiares exige ferramentas e abordagens apropriadas. Nesse delicado ambiente, negar o conflito bem como acirrá-lo mediante a utilização de ações judiciais contribuirá para o enfraquecimento de relações importantes, prejudicando a construção de consenso e o alinhamento de interesses tão essenciais para uma gestão eficiente.

É nesse contexto que a mediação se apresenta como uma poderosa ferramenta de governança. Trata-se da possibilidade de emancipação3 dos diversos stakeholders envolvidos, que mediante o auxílio do mediador - terceiro imparcial capaz de restabelecer os canais de comunicação e identificar os reais interesses em jogo – tornam-se mais aptos a cooperar, focando nas reais prioridades da empresa em vez de enredarem-se em disputas de poder.

Ela pode ser usada preventivamente de modo a contribuir para a fluidez da comunicação e alinhamento de interesses ou ainda como forma de tratar construtivamente o conflito já deflagrado, trabalho que, diga-se, algumas empresas e mediadores já vêm desenvolvendo com sucesso. A inserção da mediação na rotina das empresas familiares passa a ser, portanto, um instrumento de boa governança.

Não à toa, o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) recomenda o uso da mediação em diversas passagens de seu código das melhores práticas de governança corporativa. O capítulo 1.4 desse código expressamente recomenda que os conflitos entre sócios, administradores e entre estes e a organização sejam resolvidos preferencialmente por negociação ou mediação (por último, por arbitragem), devendo tais instrumentos estar previstos no estatuto/contrato social ou em compromisso firmado entre as partes.

Aliás, considerando que a implantação da governança visa justamente, segundo o próprio IBGC, o alinhamento de interesses "com a finalidade de preservar e otimizar o valor econômico de longo prazo da organização", parece ser natural que a mediação, como método facilitador de diálogo que é, deva estar inserida e prevista nos órgãos de governança.

Enfim, com tamanha propensão ao conflito, o que pode afastar – ao invés de atrair - investidores, a empresa familiar deve ter uma legítima e efetiva preocupação com a gestão dos conflitos, seja entre sócios parentes ou entre os demais atores que participam desse ambiente, o que se traduzirá num indicador de boa governança e mostrará que a corporação está alinhada aos novo tempos. Para tanto, a mediação deve exercer importante papel de protagonista.

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