Doutrinas > Processo Civil - CPC 2015
A Defesa na Produção Antecipada de Provas – Uma leitura constitucional do artigo 382, § 4º, do novo CPC
Autores: Elias Marques de Medeiros Neto, Francisco Laux, Giovani Ravagnani, Felipe Roberto Rodrigues, Ricardo Aprigliano e William Santos FerreiraPublicado no site em: 20 de setembro de 2016 . Notas introdutórias
Os dispositivos que tratam das hipóteses em que admitida a antecipação da prova, mesmo que desvinculada das hipóteses de urgência, representam um dos avanços mais paradigmáticos do novo CPC (lei 13.105/15 - NCPC).
Para além da hipótese prescrita para os casos de urgência, quando existente o fundado receio de impossibilidade de verificação dos fatos quando da propositura de demanda voltada à declaração do direito material, os itens de direito previstos nos arts. 381 e seguintes do novo ordenamento processual civil vêm a consagrar entendimento doutrinário que há certo tempo afirma a existência de um direito autônomo à prova, desconectado do periculum in mora; desvinculado, ainda e ao menos exclusivamente, da atividade de valoração por quem detém o poder jurisdicional na hipótese específica1 e com reconhecimento que a prova pode ter vários destinatários, que não apenas o juiz de direito, já que devem ser considerados destinatários da prova todos aqueles que dela podem fazer uso, aliás, o capítulo “das provas” no CPC/73 iniciava no art. 332 descrevendo, objetivamente, que “todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos...”, enquanto o CPC/15 em seu art. 369 didaticamente ressalta: “As partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como moralmente legítimos....”, o que destaca a prova como um “direito da parte”, o que externa um protagonismo das partes no âmbito probatório que se correlaciona com o direito autônomo à prova, afastando o vínculo, praticamente indissociável, que se apresentava da prova com a valoração judicial.
Em relação aos arts. 381 e seguintes, a inovação tem o mérito de privilegiar o alcance de soluções autocompositivas. Possibilitar às partes a valoração de elementos de prova e o alcance de soluções com base em um suporte fático satisfatório, que enseje a obtenção, na maior amplitude possível, de tudo aquilo e exatamente aquilo a que fazem jus, representa um dos objetivos primários da nova codificação processual civil.
No interior da seção do NCPC que trata da produção antecipada de provas, todavia, há previsão no mínimo polêmica, que, em uma interpretação literal, poderia limitar quase que completamente a possibilidade de apresentação de argumentos de defesa no âmbito de processos nos quais pretendida a efetivação do direito à prova. Tal disposição, inserta no art. 382, § 4º, do diploma processual, prescreve que no processo voltado à antecipação da prova “não se admitirá defesa ou recurso, salvo contra decisão que indeferir totalmente a produção da prova pleiteada pelo requerente originário”. A presente opinião tem o intuito de demonstrar que a referida interpretação literal não pode – e não deve – sobreviver a uma análise sistemática do NCPC, muito menos a uma interpretação que confira efetividade às garantias fundamentais do processo, dispostas na CF/88. É o que se passa a demonstrar.
2. O processo de antecipação da prova admite a apresentação de argumentos de defesa
A tentativa de se vedar, abstratamente, a apresentação de defesa não sobrevive, no ordenamento jurídico brasileiro, a uma leitura constitucional do processo.
O entendimento é fundado na necessidade de se efetivar a garantia constitucional do contraditório também no processo de produção antecipada de provas. A caracterização da sentença como a de epílogo de um devido processo (Fazzalari) carrega dentro de si a necessidade de se conferir à parte a possibilidade efetiva de influir no convencimento do órgão julgador. Esse é o verdadeiro sentido e alcance do princípio esculpido no inciso LV do art. 5º da CF. As alegações apresentadas pelas partes, portanto, detêm o poder de condicionar a decisão a ser proferida pelo magistrado.
O pedido de antecipação enseja a constituição de um processo e, portanto, exige a observância ao primado do contraditório, com todas as possibilidades que ele carrega.
O que se pode aceitar é a limitação horizontal dos argumentos de defesa, em observância às balizas que demarcam o âmbito de cognição do magistrado no processo de antecipação da prova. Uma interpretação sistemática dos dispositivos que regem a antecipação da prova sugere que o raciocínio é pertinente para os fins do presente estudo. Como, na antecipação, é vedado ao juiz se pronunciar “sobre a ocorrência ou inocorrência do fato, nem sobre as respectivas consequências jurídicas” (art. 382, § 2º, NCPC), é de se aceitar a impossibilidade de análise de argumentos de defesa que guardem relação exclusivamente com argumentos de mérito relacionados com a futura e eventual demanda voltada ao reconhecimento do alegado direito material.
O processo de antecipação da prova deve admitir, nessa perspectiva, a apresentação de argumentos de defesa relacionados à privacidade ou ao sigilo das informações, à violação do dever de honra ou mesmo à subsistência de “outros motivos graves que, segundo o prudente arbítrio do juiz, justifiquem” a impossibilidade de produção da prova, tal como ocorre no âmbito da exibição de documento ou coisa (art. 404, NCPC).
Argumentos relacionados à suspeição ou impedimento de testemunhas, caso esse seja o meio de prova que se pretende produzir, também devem ser apreciados pelo juiz no âmbito da antecipação da prova.
Da mesma forma, a limitação da cognição do magistrado, no âmbito da produção antecipada de provas, não o impede de analisar matérias de ordem pública, ou mesmo as questões cognoscíveis de ofício, que afetem diretamente a formação da relação processual ou o direito à prova.
A descrição de possibilidades ora apresentada não tem a menor intenção de ser exaustiva, até porque a prática provavelmente trará ao conhecimento do estudioso do direito processual situações possivelmente mais interessantes que as ora mencionadas.
Mas, nem mesmo a afirmação relacionada à impossibilidade de apresentação de argumentos quanto a fatos ou as suas consequências jurídicas deve ser vista em modo absoluto. Isso se deve à constatação de que o direito à prova não pode ser tido como algo absolutamente desconectado daquilo potencialmente perseguido mediante a propositura da eventual demanda voltada à declaração do direito. A hipótese é absolutamente deletéria e poderia gerar a prática do que se convencionou chamar fishing expedition, caracterizada pela intenção velada de uma das partes de, mediante a ameaça ou efetiva propositura de demanda infundada, ter a possibilidade de acesso a informações a respeito das quais não teria, não fosse a litigância abusiva. Reconhecer a existência de um direito autônomo à prova não significa, portanto, afirmar que a tutela do direito à prova não deva guardar qualquer relação com a necessidade de demonstração de pertinência entre a prova que se pretende obter e a situação de direito material eventual e potencialmente objeto de demanda voltada à declaração do direito.
Demonstrar a finalidade da prova representa ônus do qual o sujeito que demanda a antecipação da prova não pode se desvincular (art. 382, caput, NCPC). Se o demandado detém elementos aptos a demonstrar que a prova que se pretende obter é impertinente ao deslinde de eventual demanda voltada à declaração do direito material, pode e deve apresentar seus argumentos, sob pena de se possibilitar, por intermédio da antecipação, uma produção de prova que possivelmente seria indeferida em uma situação ordinária.
Em suma, a produção antecipada de prova sem urgência não pode ser utilizada de forma abusiva pelo requerente, sendo certo que compete ao magistrado verificar os limites e a pertinência da prova pretendida, a legalidade de sua produção e se os requisitos legais para a antecipação estão presentes; podendo o requerido questionar em sua defesa se a finalidade da lei é (ou não!) atendida.
3. Conclusão
Uma análise sistemática e constitucional do novo CPC revela que a impossibilidade de apresentação de defesa no âmbito da antecipação da prova é dotada de aplicação limitada ao âmbito de cognição horizontal do órgão julgador. A própria limitação a respeito da apreciação de fatos e consequências jurídicas deles advindas deve ser vista com certo cuidado, por necessidade de análise da finalidade da produção da prova que se pretende realizar. Espera-se que a presente opinião auxilie e sirva de estímulo ao estudo e construção de trabalhos de maior fôlego a respeito do tema.
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