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Doutrinas > Processo Civil - CPC 2015

O incidente de desconsideração da personalidade jurídica e a recorribilidade de suas decisões

Autor: Luiz Rodrigues Wambier
Publicado no site em: 18 de julho de 2016 Novos tempos de Código de Processo Civil, momento de muito estudo, de muita dedicação para o conhecimento dessa nova norma processual, das suas nuances mínimas. Os professores de Processo Civil do Brasil inteiro estão se congregando com palestras e debates sobre cada parte do Código, com a busca pelo melhor entendimento, com discussões aprofundadas sobre diversos e minuciosos temas.

Em Porto Velho/RO, coordeno um curso de pós-graduação do grupo Uninter/FAP, sobre, justamente, o novo Código de Processo Civil. Com o intuito de possibilitar a melhor adaptação possível aos profissionais da região, o intercâmbio com os professores nacionais é imenso e totalmente instigado. Num módulo sobre Teoria Geral do Processo com base no novo CPC, o professor doutor Rodrigo Cunha Lima Freire, brindou os alunos do curso com um excelente módulo.

Acompanhando o final das aulas do módulo, por fins de logística de término e pela coordenação, estive em sala de aula por alguns bons momentos e, durante a exposição, um debate surgiu, na explicação do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica e a sua recorribilidade. Uma verdadeira dúvida de sala de aula.

Não havia regulamentação processual específica para tal incidente, o que, neste Código, positivou-se com um rito próprio, com critérios estabelecidos, em termos procedimentais, com contraditório para todos os sócios a serem incluídos na demanda, com um rito específico e um formato incidental.

Não há mais um caráter simplório na inserção dos sócios da empresa como litisconsortes, como era feito habitualmente, sem um rito determinado, apenas observando a lei material – civil ou consumerista. Agora, com base no artigo 1331 do CPC/2015, há a citação para a inclusão no incidente, defesa sobre esta inserção, com possibilidade de produção de provas e instrução, até o momento da decisão que resolve o incidente, com a desconsideração ou não da personalidade jurídica, a inserção ou não dos sócios no polo passivo da demanda.

O intuito da formação de um incidente, pelo novo ordenamento, passou pela necessidade de se efetivar um contraditório prévio sobre o preenchimento ou não dos requisitos plausíveis para a desconsideração da personalidade jurídica, possibilitando a todos os atores deste incidente processual, o direito a manifestação prévia, a defesa, a produção probatória e uma ausência de possibilidade de decisão surpresa2. Essa sistematização da desconsideração enquadra-se na sistemática processual prevista no CPC/2015, com uma impossibilidade de decisão surpresa, nos ditames do artigo 10o3.

Nos dias atuais, sob a vigência do CPC/73, o juízo analisa simples petição, com um caráter simplório, baseando-se somente no direito material para argumentar seus pedidos, sem uma formação contraditória. Com o pedido realizado no processo, somente há a resposta judicial com o deferimento ou não. Em caso negativo, a demanda prossegue daquela fase em diante, sem nenhuma alteração, por outro lado, em caso positivo, a desconsideração é realizada, com a inserção imediata, inaudita altera pars, dos sócios da pessoa jurídica desconsiderada como partes do processo e, como acontece em muitos casos, já com a constrição de bens.

Muitas vezes, aquele sócio da empresa desconhece o processo e, ao ser citado de tal feito, já vem acompanhada de uma ordem judicial para a constrição de bens. Não somente há o baque da ciência de uma demanda judicial – por vezes, na fase de cumprimento de sentença – como em muitas incidências, acompanha esta cientificação uma penhora/constrição de um bem daquele sócio. Da noite para o dia, uma ordem judicial dar-lhe ciência da ação, bem como procede-se a penhora de um bem/valor deste sócio. Um evidente desprestígio com o contraditório4.

O incidente forma um novo contraditório, de forma paralela à demanda principal, suspendendo a mesma5. O cerne da discussão incidental recai no cumprimento dos requisitos para a desconsideração, previstos na lei material que se basear o pedido, devendo o requerente incidental explicar e argumentar o preenchimento de todos os requisitos prévios, conforme preconiza o artigo 134 § 4º6.

Em contra argumentação, os sócios, aqueles que foram incluídos no incidente, têm a possibilidade, pelo contraditório, de defender-se no prazo de 15 dias. Essa manifestação seria como uma contestação, não sobre o mérito da causa, mas sobre a ausência de requisitos para a desconsideração, rebatendo o requerimento de instauração do incidente, não a inicial da ação.

Neste momento da manifestação de defesa, há a possibilidade de requerer a produção de provas cabíveis, caso queira instruir o incidente. Com isso, várias decisões são possíveis dentro do incidente, não somente aquela que resolve o mesmo. Quando há a produção de determinada prova – pericial, por exemplo – deve, o juízo, decidir pelo deferimento ou não. De igual forma, em uma possível audiência sobre o incidente, pontos ali presentes podem ser decididos. Esses atos decisórios, internos do incidente, são interlocutórias em sua concepção, mas não podem ser confundidas com a decisão que resolve o incidente.

Desta decisão interlocutória que resolve o incidente da desconsideração da personalidade jurídica, não há discussão, literalmente, cabe agravo de instrumento7, na dicção do artigo 1368, independente do seu resultado, seja pela procedência ou não do incidente, pelas partes que tiverem o respectivo interesse recursal.

No entanto, uma dúvida recai – suscitada na sala de aula – sobre as decisões interlocutórias internas do incidente, como as que versam sobre a produção de provas – seja para comprovar a necessidade ou não do incidente – serão agraváveis? O caput do artigo 1015 utiliza os dizeres "versarem sobre":, já o inciso correspondente, somente coloca "o incidente de desconsideração da personalidade jurídica". O prof. Rodrigo, ao ministrar a excelente aula, explicou que coaduna com a recorribilidade ampla de todas as decisões interlocutórias internas do incidente. O argumento é plausível e potente, justamente pela amplitude possível dada pela literalidade do texto legal. Essa tese é plausível, ainda mais num início de vigência, com a dúvida inicial dos limites de utilização do agravo de instrumento presente no texto legal.

Todavia, a pergunta permanece: uma, ou qualquer, decisão interlocutória interna do incidente é agravável? Como anteriormente explicado, a interpretação literal nos leva a esse entendimento, por esta decisão interna, de igual forma, versar também sobre o incidente, interpretando o verbo utilizado de maneira bem ampla.

Por consequência, se optarmos por esta interpretação, haverá uma recorribilidade imensa dentro do incidente, o que causaria uma assimetria com a própria taxatividade9 proposta pelo código no agravo de instrumento10. Como imaginar que o agravo de instrumento, dentro do processo de conhecimento, contenha uma finitude de possibilidades e, internamente, no incidente de desconsideração da personalidade jurídica seria recorrível em qualquer decisão? Por mais que a interpretação conjunta do "versar sobre o incidente" possibilita essa visão sobre a questão, não há como colocarmos como plausível essa recorribilidade. Seria conceder maior importância as decisões interlocutórias internas do incidente do que as decisões interlocutórias normais do trâmite processual de conhecimento. Não há como ter essa visão.

Então, quando impugnar as decisões que são inerentes ao próprio incidente, anteriores à decisão final deste? A saída é a utilização da técnica do artigo 1.009, § 1º, porém para a utilização dentro do agravo de instrumento – em forma de preliminar – que impugna a decisão que resolve a incidente. Se somente esta decisão do incidente é agravável, todas as questões internas anteriores à matéria incidental resolvida devem ser arguidas quando deste recurso, não precluindo até este momento, mas operando a preclusão em duas hipóteses: a não impugnação – não interposição do agravo de instrumento – da decisão que resolve o incidente ou a impugnação – interposição do agravo de instrumento – da decisão, contudo sem mencionar ou impugnar especificadamente as decisões anteriores interlocutórias internas.

Em qualquer uma destas hipóteses acima, as matérias decididas internamente no incidente, não podem mais ser matéria de revisitação em outros momentos, tornando impossível, por exemplo, a utilização em preliminar da apelação.

A interpretação deve almejar uma simetria na recorribilidade do agravo de instrumento, com uma plausibilidade entre as hipóteses, respeitando a vontade do legislador, com a devida limitação imposta pela taxatividade.

Fonte: Migalhas « Voltar