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Doutrinas > Processo Penal

Execução provisória da pena: inversão de papéis no Supremo

Autor: Felipe Recondo
Publicado no site em: 10 de agosto de 2016 Primeiro foi o ministro Celso de Mello, decano do Supremo, que contrariou a decisão do plenário de que é possível antecipar a execução da pena depois da condenação de um réu em segunda instância. Na semana passada, foi a vez do presidente do Supremo, Ricardo Lewandowski, decidir em confronto com a recente jurisprudência. Na quinta-feira, o ministro Edson Fachin revogou a liminar concedida pelo presidente e determinou a imediata prisão do réu já condenado pelo Tribunal Regional Federal da 5a Região.

Há em todo este processo uma inversão de papeis no Tribunal que coloca em risco a estabilidade da jurisprudência.

Comecemos pelo decano.

Por que Celso de Mello é o penúltimo a votar, antes apenas do presidente? No Supremo – como nos outros tribunais -, primeiro vota o relator do processo em julgamento e em seguida vota o ministro mais novo na Corte. O ministro Marco Aurélio Mello propôs, no passado, a inversão da ordem. Primeiro o relator votaria e em seguida a palavra passaria para o decano. Por quê? Para resguardar a jurisprudência da Corte, evitando que ministros mais novos votassem em desconformidade com as decisões anteriores do Supremo.

Ao presidente do STF, Ricardo Lewandowski, compete representar o tribunal, falar em seu nome e dirigir o colegiado. Sendo ele, por delegação dos ministros, quem representa a Corte, deve Lewandowski prezar pelas decisões do colegiado que ele dirige, talvez até mais do que os seus colegas.

Em fevereiro deste ano, por 7 votos a 4, o Supremo julgou o Habeas Corpus 126.292 e concluiu que a execução provisória da pena não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência. Celso de Mello, Lewandowski, Marco Aurélio Mello e Rosa Weber ficaram vencidos. Julgaram que um réu só poderia ser preso depois do trânsito em julgado da ação penal – o que, no entendimento deles, só ocorreria quando não houvesse mais a possibilidade de qualquer recurso.

Celso de Mello e Lewandowski ficaram, então, vencidos em plenário. Votos vencidos aplaudidos por grande parcela da advocacia e da academia. Mas votos vencidos. O ministro Marco Aurélio talvez seja a principal expressão no plenário daqueles que, convictos de suas posições, não repetem em seus votos a opinião majoritária. Vencidos uma vez, vencidos sempre ou até que a minoria vire maioria.

Foi o que o decano e o presidente optaram por fazer em prejuízo do princípio da colegialidade.

No início de julho, o ministro Celso de Mello concedeu liminar para suspender a execução do mandado de prisão expedido contra Leonardo Coutinho Rodrigues Cipriano. O ministro afirmou que a decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) de determinar o início do cumprimento da pena do réu antes do trânsito em julgado ofende o princípio constitucional da presunção de inocência.

Apesar de celebrada pelos advogados, que apostam ainda na reversão da jurisprudência, ministros fizeram reservadamente severas restrições à decisão do decano.

No plantão de julho, o presidente Ricardo Lewandowski deferiu liminar no Habeas Corpus 135.752 e suspendeu a execução provisória das penas impostas a José Vieira da Silva – perda do cargo de prefeito de Marizópolis (PB) e prisão por crime de responsabilidade.

Repetindo seu entendimento – vencido – no julgamento de fevereiro, Lewandowski afirmou que, “se por um lado, o princípio constitucional da presunção de inocência não resta malferido diante da previsão, em nosso ordenamento jurídico, das prisões cautelares, desde que observados os requisitos legais, por outro, não permite que o Estado trate como culpado aquele que não sofreu condenação penal transitada em julgado, sobretudo sem qualquer motivação idônea para restringir antecipadamente sua liberdade”.

Quando o Supremo retornou do recesso, o ministro Edson Fachin, relator do HC 135.752, revogou a liminar concedida pelo presidente do Supremo. Os detalhes desta decisão são tão ou mais importantes que o mérito.

Fachin não foi provocado pelo Ministério Público em recurso contra a decisão de Lewandowski. A decisão foi de ofício. Ou seja, quando voltou ao trabalho, o relator cassou de imediato a liminar do colega. E sobre isso, não mandou nenhum sinal prévio para o presidente. Em casos como estes, já houve ministro que comunicou privadamente ao colega que revogaria sua decisão.

Por fim, coube ao ministro mais novo no colegiado deixar o recado para o decano da Corte e para o presidente: “impende que a Corte confira estabilidade a sua própria jurisprudência”. Um recado respeitoso e menos enfático do que o advogado e professor Fachin escreveu no passado e que falou em sua sabatina: “a jurisprudência não merece tal nome se variar ao sabor das percepções pessoais momentâneas”.

Fonte: Jota - UOL « Voltar