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A citação em processo de execução no Novo Código de Processo Civil
Autores: Natália Diniz e Adriano ScopelPublicado no site em: 23 de Dezembro de 2016
Não há dúvidas de que a execução de título extrajudicial é um dos grandes gargalos enfrentados atualmente pelo Poder Judiciário em busca da eficiência e representam a maior parte dos processos acumulados no país, principalmente as execuções fiscais1. A satisfação do crédito é um grande problema, os processos de execução são morosos, os juízes demoram a proferir decisões relativamente simples, os cartórios demoram em realizar tarefas administrativas essenciais para o bom andamento do feito, tais como a expedição de mandados e, logo no início do processo, existe a enorme dificuldade em citar o executado.
A citação é o ato pelo qual o executado é convocado a integrar a relação processual, de forma que sua regularidade e bom funcionamento são essenciais para a eficácia da prestação jurisdicional. O Código de Processo Civil (CPC) de 1973, vigente até março de 2016, vedava expressamente a possibilidade de citação por correio nos processos de execução (art. 222, "d"). Por sua vez, o CPC/2015, além de manter a citação por correio como regra geral (art. 247), excluiu a vedação à possibilidade de esta modalidade de citação ser promovida nos processos de execução.
Porém, a questão não se resolve apenas neste dispositivo, pois há controvérsia sobre a possibilidade de a citação por correio ser válida em processo de execução em função de dispositivo específico do CPC que trata sobre execução, qual seja, o art. 829, § 1º, que dispõe o seguinte:
"Art. 829. O executado será citado para pagar a dívida no prazo de 3 (três) dias, contado da citação.
§ 1º Do mandado de citação constarão, também, a ordem de penhora e a avaliação a serem cumpridas pelo oficial de justiça tão logo verificado o não pagamento no prazo assinalado, de tudo lavrando-se auto, com intimação do executado."
Em uma primeira leitura de fato pode-se chegar à conclusão de que a citação na execução de título somente deverá ser feita via oficial de justiça.
O ato de citação na execução sempre foi tido como um ato complexo, pois no mandado de citação não há apenas a ordem para que o executado tome ciência do processo e dele participe, mas também há ordem constritiva de seus bens que deverá ser efetivada pelo oficial de justiça em caso de inadimplemento. E justamente por ser um ato complexo que vem surgindo na jurisprudência do TJ/SP entendimento de que a citação em execução de título deverá ser feita exclusivamente por oficial de justiça.
"Agravo Ação de Execução de Titulo Extrajudicial Citação postal Inadmissibilidade - O dispositivo contido no art. 247, do NCPC, não pode ser interpretado de forma isolada ou dissociada dos dispositivos contidos nos arts. 829 e 830, do mesmo estatuto processual, que cuidam especificamente da citação do executado em execução lastreada em título extrajudicial. A redação dos dispositivos constantes dos arts. 829 e 830 dá conta da conta da necessidade de que a citação no processo de execução seja feita por oficial de justiça. Destarte, e considerando a necessidade de subordinação do art. 247, do NCPC a um conjunto de disposições de maior generalização, em especial, arts. 829 e 830 do mesmo estatuto, do qual não pode ser dissociado, de rigor concluir que em se tratando de execução de título extrajudicial a citação do executado deve ser feita por oficial e justiça. Realmente, não podendo passar sem observação que a citação no processo de execução é ato complexo, uma vez que não se limita à convocação do executado para integrar a relação processual. Recurso Improvido." (TJ/SP, AI nº 2142022-91.2016.8.26.0000, Rel. Des. Neto Barbosa Ferreira, 29ª Câmara de Direito Privado, j. em 26.10.2016).2
A justificativa é que por se tratar de ato complexo, a citação no processo de execução deverá ser feita via oficial de justiça, pois no mandado de citação constará a ordem para pagamento em três dias e, caso o pagamento não seja feito, serão realizados os atos de constrição patrimonial do executado. De acordo com os precedentes, como ato de citação é complexo e envolve a constrição patrimonial é necessário que o oficial de justiça cumpra a determinação e explique detalhadamente a consequência ao executado das consequências caso não haja pagamento ou sejam opostos embargos à execução.3
Por outro lado, há entendimento do mesmo TJ/SP no sentido contrário, haja vista que não há mais a proibição expressa de citação via correio no texto do NCPC:
Agravo de instrumento – Execução de título extrajudicial – Pedido de citação da executada por via postal – Possibilidade, á luz do NCPC – Situações de exceção para o ato citatório por correio que estão previstas no art. 247 e nele não se incluem as execuções – Recurso ao qual se dá provimento para deferir ao recorrente o pedido de citação da executada por via postal. (TJSP, AI nº 2162850-11.2016.8.26.0000, Rel. Des. Cláudia Grieco Tabosa Pessoa, 19ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça, j. em 12.9.2016).
Essa solução nos parece ser a mais correta, considerando a inexistência de proibição de citação via correio nos casos de execução de título, intenção da nova legislação processual e da leitura com os demais dispositivos legais.
Sem sombra de dúvidas, a citação é ato essencial para o correto processamento e exercício do contraditório pleno pelo réu/executado. Como ensina Fredie Didier Júnior, a citação é "ato de eficácia do processo em relação ao réu"5, de forma que somente com a citação o réu passa a ser parte do processo e integrar a relação processual.
Por ser a citação ato essencial ao correto desenvolvimento do processo, muito já se discutiu sobre as diversas possibilidades de citação, de forma a buscar conciliar a preocupação com o direito de defesa do réu/executado, bem como a celeridade do processo (assim como a tutela do crédito, no caso das execuções). Aliás, nos processos de execução fiscal a lei desde há muito tempo autoriza a citação via correio.
Não há dúvida que atualmente com os processos eletrônicos qualquer indivíduo consegue ter fácil acesso ao conteúdo dos processos assim que for citado em determinada ação. Ou seja, não é mais necessária presença de um oficial de justiça que explique ao executado as consequências de eventual descumprimento de ordem judicial. Além disso, como alerta Daniel Amorim Assumpção, a justificativa para realização da citação em execução exclusivamente via oficial de justiça também não se justifica porque atualmente já ocorrem diversos atos constritivos via exclusivamente internet, tais como a penhora on-line e a penhora de imóveis via bloqueio judicial eletrônico.7
Ainda, é necessário dar a correta interpretação ao termo "mandado" utilizado no CPC (art. 829, § 1º). Mandado não necessariamente significa que deverá ser cumprido por oficial de justiça, mas é a instrumentalização da decisão judicial, tanto que uma ordem de penhora on-line pode ser caracterizada em um "mandado", por exemplo. Desta forma, justificar que a citação em processos de execução deverá ser via oficial de justiça por ter a lei utilizado a expressão "mandado" é fazer tábula rasa de seu real significado.
A nosso ver, a partir de uma leitura conjunta do art. 829 e do art. 247 do CPC, têm-se que a intenção do legislador foi no sentido de que a citação poderá ocorrer da forma como o exequente optar, não lhe sendo vedada a citação por correio. Caso não seja realizado o pagamento da dívida em três dias, como determinado pela decisão judicial, o oficial de justiça deverá cumprir a ordem de penhora e avaliação do processo. Ou seja, a atuação do oficial de oficial de justiça viria a posteriori, não no momento da citação. Até porque, os atos de citação não se confundem com atos de constrição de bens, de forma que a avaliação de bens do executado, por exemplo, evidentemente permanece a cargo do oficial de justiça.
Por fim, interpretar a redação do art. 829 do CPC como se a citação devesse ser feita exclusivamente via oficial de justiça é ignorar a realidade do processo de execução no país. É pública e notória (inclusive corroborada por recentes acontecimentos políticos no país) a dificuldade em realizar a citação por oficial de justiça, os executados dificilmente são encontrados, muitas vezes se escondem e com isso o processo de execução simplesmente fica parado aguardando a realização da citação.
Assim, o exequente vê impossibilitada a satisfação de seu crédito, com o Poder Judiciário falhando na sua missão de prestação jurisdicional. Longe de buscar mitigar o direito de defesa dos executados ou mesmo de concretizar "atos processuais surpresas", a mudança proposta no art. 247 do CPC visou dar maior agilidade aos processos de execução, ao possibilitar a citação do executado via correio.
Portanto, sob a perspectiva da celeridade e efetividade dos atos judiciais, positivadas no NCPC, bem como diante da ausência completa de vedação legal (tal como ocorria na vigência do CPC de 1973), não deve haver obstáculos para a citação via correio nos processos de execução. « Voltar