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Doutrinas > Processo Civil - CPC 2015

Ação rescisória

Autores: Jorge Amaury Maia Nunes e Guilherme Pupe da Nóbrega
Publicado no site em: 25 de agosto de 2016


Ação rescisória é espécie de sucedâneo recursal externo, ação autônoma que instrumentaliza meio de impugnação que tem como fito, presentes hipóteses específicas, desconstituir coisa julgada oriunda de decisão judicial transitada em julgado.

Logo em seu artigo 966, o Código de Processo Civil de 2015 inova ao substituir o vocábulo “sentença”, constante do antigo artigo 485 do CPC/73, por decisão, alcançando sentença, decisão interlocutória, acórdão e decisão monocrática. A mudança consagra evolução do sistema, que prestigiou a teoria dos capítulos das decisões — como ilustram os artigos 356, § 3º, 1.009, § 3º, e 1.013, § 5º, do CPC/15 —, culminando na previsão expressa de cabimento de rescisória apenas contra a parcela do julgado, a teor do § 3º do artigo 966, como, aliás, já admitia a jurisprudência sobre o tema.1

O caput do artigo 485 do CPC de 1973 direcionava a rescisória contra sentença de mérito, diferentemente do CPC/39, que não fazia a ressalva, admitindo em seu artigo 798 a desconstituição de sentença terminativa. O CPC/15, de sua vez, mantém, no caput do artigo 966, o cabimento da rescisória, como regra, contra a sentença de mérito, mas consagra exceções no § 2º daquele dispositivo, autorizando a rescisão da decisão terminativa que impeça “nova propositura”2 da demanda (como a que reconhece ilegitimidade do autor e/ou do réu) ou a admissibilidade do recurso correspondente (quando não conhecido recurso, por exemplo), superando entendimento jurisprudencial antes consolidado.3

No que tange às hipóteses autorizadoras da rescisão de julgado, iniciamos nosso exame pelo inciso I do artigo 966, que traz a hipótese de decisão proferida por força de prevaricação, concussão ou corrupção do juiz, merecendo registro que não se exige, para que exsurja o cabimento, prévia sentença penal condenatória e nem, mesmo, investigação criminal, eis que a comprovação dos elementos ensejadores da rescisão poderá ser feita no bojo da própria rescisória, o mesmo raciocínio se aplicando ao inciso III, abordado mais adiante.

O inciso II, de sua vez, prevê a possibilidade de desconstituição da decisão proferida por juiz impedido ou absolutamente incompetente. No caso da incompetência absoluta, particularmente, a análise do dispositivo merece ser feita à luz da regra inserta no artigo 64, § 4º4, o que quer dizer que virtual decisão de desconstituição com fulcro no mencionado inciso II haverá de ser, por prudência, expressa a respeito da interrupção dos efeitos do julgado rescindendo, quando não incursionar, de pronto, em novo julgamento de mérito, a teor dos artigos 968, I, e 974.

Já no inciso III, há a menção à decisão resultante de dolo ou coação da parte vencedora em detrimento da parte vencida ou, ainda, de simulação ou colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei. A inserção da coação e da simulação representaram novidade importante em relação ao Código anterior.

O inciso IV prevê a rescisória contra decisão ofensiva a coisa julgada previamente produzida. Na doutrina5, há o entendimento de que uma segunda decisão em ação com identidade de elementos em relação a outro feito anteriormente julgado definitivamente, a vulnerar a coisa julgada, seria, por conseguinte, e a rigor, juridicamente inexistente, premissa essa que redundaria na desnecessidade de aviamento de rescisória, eis que a inexistência do segundo julgado seria passível de ser suscitada por qualquer via6 e a qualquer tempo. Não se olvida a controvérsia sobre o tema. Sem embargo, aderida a posição supra, e observado o prazo decadencial de dois anos, a ação rescisória surgiria como instrumento adicional para invocação do ponto.

O inciso V do artigo 966 destoa bastante do antecedente inciso V do artigo 485 do CPC/73. No Código anterior, a previsão era no sentido de ser cabível a rescisória contra sentença que violasse “literal disposição de lei”; no Código atual, lado outro, há a menção a decisão “que violar manifestamente norma jurídica”.

Cuida-se, uma vez mais, de adaptação do Código à jurisprudência já existente sob a vigência do CPC/73, no sentido de admitir rescisória com base em afronta a princípio7, valendo os registros, ademais, quanto ao ponto, de que (i) a norma tida por violada dispensa o prequestionamento pela decisão rescindenda8; e (ii) o óbice imposto pela Súmula 343/STF tem merecido atenuação pela jurisprudência em prol da segurança jurídica.9 A par desses dois pontos, igualmente válido anotar que a jurisprudência anterior, que afastava o cabimento de rescisória por afronta a súmula de tribunal10, acaba sofrendo relativização pelo § 5º do artigo 966 do CPC atual, que soa caber rescisória “contra decisão baseada em enunciado de súmula ou acórdão proferido em julgamento de casos repetitivos que não tenha considerado a existência de distinção entre a questão discutida no processo e o padrão decisório que lhe deu fundamento.” De se notar, pois, que também a rescisória há de funcionar como recurso extremo para realização do distinguishing.

A decisão fundada em prova cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou venha a ser demonstrada na própria ação rescisória segue incólume no inciso VI do artigo 966.

Indo além, o inciso VII do artigo 966 traz a hipótese de obtenção de obtenção de prova nova cuja existência era ignorada pelo autor da rescisória ou de que não pode fazer uso por motivo alheio à sua vontade. Há inequívoca ampliação do âmbito de vigência material da norma, que, no CPC/73, limitava a prova nova a documento, sendo interessante o debate — ao qual remetemos o leitor — sobre se o exame de DNA seria abarcado pela norma e/ou se autorizaria a revisitação de caso de julgado mesmo após o prazo decadencial de dois anos, mercê da “ponderação” entre dignidade da pessoa humana e segurança jurídica, subjacente a investigações de paternidade.

O inciso VIII do artigo 485 do CPC/73 previa o fundamento para invalidação da confissão, desistência ou transação como hipótese para manejo da rescisória. O § 4º do artigo 966 do CPC/15 transferiu para a ação anulatória o ataque contra “os atos de disposição de direitos, praticados pelas partes ou por outros participantes do processo e homologados pelo juízo, bem como os atos homologatórios praticados no curso da execução”, no que andou bem, sob o prisma do aprimoramento técnico, para afinar-se sistematicamente com os artigos 393 e 657.

Por fim, no que concerne ao rol do artigo 966, o inciso IX admite rescisão da decisão fundada em erro de fato verificável do exame dos autos, assim considerado, nos termos do § 1º, a admissão de fato inexistente — a redação é paradoxal — ou o reconhecimento como inexistente de fato efetivamente ocorrido — a redação é redundante —, indispensável, em todo caso, que o fato não represente ponto controvertido sobre o qual o juiz deveria ter se pronunciado. A expressão “verificável do exame dos autos” é inovadora, e torna sensivelmente mais clara a norma em relação ao Código anterior.

Cabe anotação apartada sobre o parágrafo 5º do artigo 968, que dispõe que “reconhecida a incompetência do tribunal para julgar a ação rescisória, o autor será intimado para emendar a petição inicial, a fim de adequar o objeto da ação rescisória, quando a decisão apontada como rescindenda não tiver apreciado o mérito e não se enquadrar no § 2º do art. 966 ou tiver sido substituída por decisão posterior”. Sobre o ponto, havia jurisprudência tranquila11 no sentido de que a rescisória aforada em tribunal incompetente induziria pronta extinção do processo sem resolução do mérito. O CPC/15, todavia, quiçá em homenagem à primazia da decisão do mérito, afinada com a razoável duração do processo, passou a admitir correção para prosseguimento regular do feito.

O artigo 969 passou a prever expressamente que a “propositura da ação rescisória não impede o cumprimento da decisão rescindenda, ressalvada a concessão de tutela provisória”. É que a força executiva oriunda de cognição exauriente não merece atenuação pela simples propositura da demanda rescisória, senão quando houver decisão em sentido contrário, ainda que precária.

Caminhando para o fim, embora por ocasião da tramitação do então projeto do novo Código de Processo Civil se tenha cogitado redução, o prazo para aviamento da ação rescisória foi mantido em dois anos, consoante dispõe o artigo 975, que trouxe consigo redação ajustada: cuidando-se de decadência, a adoção da expressão “o direito à rescisão se extingue” representou evolução em relação à previsão “o direito de propor ação rescisória”, contida no CPC/73.

Não se pode ignorar, de mais a mais, que o mesmo artigo 975 consignou que o termo inicial será o “trânsito em julgado da última decisão proferida no processo.”12 Exemplificando, transitando em julgado decisão parcial de mérito, o termo inicial para contagem do prazo decadencial para ajuizamento de ação rescisória contra essa decisão, de acordo com o CPC/15, somente se iniciará posteriormente, quando transitar em julgado futura sentença que decida o restante da matéria (res in judicium deducta).

Há aí, contudo, um problema, sobre o qual já se cuidou nesta coluna, mas que merece ser repisado. É que embora o CPC/15 tenha inovado ao prever expressamente a ação rescisória contra a decisão parcial de mérito, a jurisprudência já caminhava nesse sentido. O STJ, então, enfrentando a questão a respeito da identificação do termo inicial do prazo decadencial para ajuizamento da rescisória contra decisão parcial de mérito, editou a Súmula 401, nestes termos: “O prazo decadencial da ação rescisória só se inicia quando não for cabível qualquer recurso do último pronunciamento judicial.” O raciocínio foi o de que “sendo a ação una e indivisível, não há que se falar em fracionamento da sentença/acórdão, o que afasta a possibilidade do seu trânsito em julgado parcial.”13

Até aqui, a conclusão natural seria a de que o CPC/15 teria prestigiado a jurisprudência do STJ e positivado a súmula 401. Ocorre que o STF, enfrentando recurso extraordinário contra acórdão do STJ que aplicou a súmula 401, concluiu pela inconstitucionalidade da unidade do termo inicial por violação ao artigo 5º, XXXVI, da CF, nos seguintes termos: “O prazo para formalização da rescisória, em homenagem à natureza fundamental da coisa julgada, só pode iniciar-se de modo independente, relativo a cada decisão autônoma, a partir da preclusão maior progressiva.”14

Isso quer dizer que o entendimento atual do STF seria pela inconstitucionalidade do artigo 975 do CPC/15. Nada obstante, haja vista que a decisão daquela Corte foi proferida em controle difuso, não sendo possível pressupor a eficácia transcendental dos motivos determinantes15, e tendo presente a presunção de constitucionalidade das leis, o afastamento da aplicação do artigo 975 dependerá de necessária declaração de inconstitucionalidade em controle difuso ou concentrado. Até lá, a norma é válida e vigente.

Ainda a título de novidade, e com isto concluímos este breve exame, bem vieram a calhar os §§ 1º a 3º, que (i) prorrogam o prazo decadencial para o primeiro dia útil subsequente quando esse expirasse durante férias forenses, recesso, feriados ou em dia em que não houver expediente forense; e que (ii) diferiram o termo inicial do prazo (ii.i) para a data de descoberta da prova nova, observado o prazo máximo de cinco anos, contado do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo, na hipótese do inciso VII do artigo 966, e (ii.ii) para a ciência da simulação ou da colusão das partes pelo terceiro prejudicado ou pelo Ministério Público, na hipótese do inciso II, também do artigo 966.

Fonte: Migalhas « Voltar